Modelo de regulação da produção

Modelo de regulação da produção

 

Por César Bolaño e Anna Carolina Manso*

A extinção da Embrafilme e do Concine, em 1990, deve ser considerada como um ponto de corte fundamental na história do cinema brasileiro. Em primeiro lugar, trata-se do fim de todo um modelo de financiamento da produção cinematográfica, corretamente entendida como uma catástrofe econômica. Assim, “o fim da Embrafilme trouxe um cenário de terra arrasada para o cinema brasileiro; a produção de filmes nacionais despencou e nos primeiros anos da década de 1990 as atividades cinematográficas foram reduzidas drasticamente”.

Mas, mais do que isso, trata-se do fim de uma longa era do cinema brasileiro, em que este era entendido como uma indústria nacional que deveria ser protegida, na perspectiva do modelo mais geral herdado do período da substituição de importações e da industrialização brasileira. Nesse longo período, a concorrência internacional no setor é, evidentemente, fortemente desfavorável, sendo a produção hollywoodiana hegemônica no nosso mercado interno – por uma série de fatores conhecidos que não cabe discutir aqui – mas há uma política pública concreta de apoio, definida em nível estatal – que tampouco é matéria deste artigo – e também um público que conhece e se identifica com as produções, as quais fazem parte de um processo histórico de construção de certos padrões tecno-estéticos conhecidos.

Do ponto de vista das relações internacionais, tratava-se de uma divisão do trabalho que deixava, em geral, para as diferentes cinematografias nacionais, um determinado espaço no âmbito nacional, com a possibilidade de disputar uma faixa cada vez mais limitada, mas sempre presente, de competitividade internacional, ao lado da produção hollywoodiana crescentemente hegemônica. Ao lado disso, a televisão se constitui, ao longo da segunda metade do século XX, como indústria nacional (altamente concentrada, organizada sob a forma de oligopólios privados com fortes níveis de concentração, ou de monopólios públicos, como no caso europeu, evoluindo logo para uma forma de sistema misto) que se relaciona de alguma forma com o cinema. No caso dos sistemas públicos de televisão, como é o caso conhecido e paradigmático da Alemanha da época do cinema novo dos anos 70, há uma verdadeira política pública que favorece o desenvolvimento do cinema nacional.

No caso brasileiro, que nos interessa, o sistema privado de televisão a que nos referimos no item anterior se desenvolve à margem do cinema e se transforma, com base em uma forte produção audiovisual própria, em um caso paradigmático de indústria cultural fortemente concentrada (bem acima da média de países desenvolvidos, inclusive os europeus depois da transição para o sistema misto), com um grande capital hegemônico seguido de uma série de empresas tradicionais e pouco competitivas. Assim, a Rede Globo de Televisão se torna o maior produtor audiovisual nacional e adquire inclusive certa competitividade no mercado internacional, respaldada pela capacidade que tem de amortizar internamente seus custos de produção antes da exportação. No que se refere à exibição de filmes na televisão, a política da Globo e de suas competidoras era (e continua sendo basicamente) a de reforço da produção norte-americana. A produção nacional será em geral sistematicamente excluída da telinha.

Apesar da referida competitividade da Globo no mercado internacional, que chegou a ser um caso de estudo no exterior, ainda que nunca tenha chegado a ser mais importante, por exemplo, que uma Televisa, o fato é que a competitividade sistêmica do país na área sempre foi e continua sendo extremamente limitada, decorrência inclusive do grau de concentração da produção e do capital (dinheiro e conhecimento) e das estratégias empresariais da Globo ao longo de toda a sua história em relação à produção local, regional e independente.

O cinema brasileiro do período da Embrafilme talvez seja a única exceção, pois se trata de uma produção independente, com capacidade de financiamento (estatal) e que desenvolveu, como mencionado, padrões de produção próprios, distintos do autodenominado “padrão globo de qualidade” hegemônico. O fim da Embrafilme representa uma ruptura dessa situação a favor, obviamente, da Globo e da produção cinematográfica hollywoodiana.

Os investimentos estatais retornam quando, em 1993, é sancionada a  Lei do Audiovisual, que criou mecanismos de fomento por meio de incentivos fiscais sendo ampliada posteriormente, com a Lei 9.323, de 5 de dezembro de 1996, que aumentou o limite do investimento para 5%. Trata-se de um novo modelo de intervenção estatal em que as empresas nacionais produtoras e distribuidoras de filmes brasileiros passam a se manter quase que exclusivamente com os recursos repassados pelo governo através da arrecadação por meio das leis de incentivos fiscais. É o mercado, finalmente, quem regula o setor, ainda que o financiamento continue sendo público. Essa é a crítica (irretocável) que muitos autores têm feito ao novo modelo, em todo caso, coerente com o novo paradigma econômico neoliberal implantado no país a partir do Governo Collor de Mello e de forma sistemática, no de Fernando Henrique Cardoso.

É neste cenário, de incentivos fiscais e de retomada das produções cinematográficas brasileiras que, em 1998, é criada, pelas organizações Globo, a Globo Filmes, empresa que atua por meio de parcerias de produção com produtores independentes e distribuidores nacionais e internacionais.

*Trecho do artigo de César Bolaño e Anna Carolina Manso no livro “Cinema e Economia Política”, volume II da coleção “Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira”, uma coedição do Instituto Iniciativa Cultural e Escrituras Editora.

Saiba mais sobre a coleção

Conheça o trabalho dos autores César Bolaño e Anna Carolina Manso.