O setor audiovisual brasileiro sedimenta um momento de crescente profissionalismo, mas as políticas públicas para o setor precisam ser aprimoradas e os mecanismos de diálogo com o mercado externo, ampliados e fortalecidos. Este é o resumo panorâmico dos cinco dias de discussão do Brasil CineMundi – 1st International Coproduction Meeting, expresso em 13 debates e workshops por profissionais de seis países.
Representantes de alguns dos festivais, fóruns de negócios e emissoras de TV mais representativos do mercado europeu, norte-americano e latino acompanharam as apresentações de profissionais experimentados na cadeia produtiva audiovisual brasileira e participaram dos debates, com sugestões e críticas.
Eles ressaltaram a importância de uma “terceira via” no ambiente de negócios da produção independente no país, em complementaridade a eventos de mesmo foco realizados no Rio de Janeiro e São Paulo. Para Nádia Dresti, coordenadora do Industry Office do Festival de Cinema de Locarno, na Suíca, a cidade de Belo Horizonte oferece a estrutura adequada e o conceito e formato do evento demarcam um caminho diferenciado e saudável, capaz de criar um trânsito com agentes estratégicos do mercado internacional. Para ela, a tendência de programadores e distribuidores estrangeiros acolherem propostas de coprodução identificadas e filtradas pelo Brasil CineMundi é bastante real.
A intensificação dos negócios com o mercado europeu reflete o processo de amadurecimento, a maior compreensão da dinâmica internacional e o acúmulo de massa crítica de produtores brasileiros reconhecidos no exterior. Mas ainda enfrenta problemas crônicos, como a barreira da língua.
Brasileiro radicado nos Estados Unidos, Sandro Fiorin, da distribuidora de filmes latinos Figa Films, conta que a sustentabilidade de sua empresa não permite ter mais que 30% de títulos brasileiros na carteira de negócios. “O porte da minha empresa me impede de trabalhar mais que 10, 12 filmes por ano e o mercado hispânico é muito maior”, diz. Segundo ele, até Portugal, que legenda o português brasileiro, prefere filmes falados em espanhol. Para ele, o novo cinema latino conquista espaço hoje no mercado internacional porque “é original e não é feito para agradar gringo”.
A consciência do tipo de produção que se tem em mãos e do perfil de cada festival é determinante na carreira internacional de um projeto. “Um filme só estreia uma vez e os festivais concorrem entre si”, ressalta Fiorin. “Se você coloca o filme no lugar errado no mercado, ele fica ‘velho’”, acentua Nádia, para quem a demarcação de território de um produtor no meio audiovisual internacional “é um caminho longo, realmente longo”.
Francês radicado no Rio de Janeiro, Jean Thomas, da distribuidora Imovision, relembra seu percurso. Thomas tinha amigos no meio audiovisual na França e uma trajetória como cineclubista desde a universidade, mas levou 12 anos até começar a fechar negócios com produções de maior apelo para exibição no Brasil. Segundo ele, lançar um filme europeu no Brasil é tão difícil quanto um brasileiro.
Nádia chama atenção para a importância de se ter parceiros respeitados, com inserção, poder de influência e visão estratégica. “Levar um filme a um festival sem coprodutor local é perder tempo e dinheiro”.
Gaúcha radicada em São Paulo, Sara Silveira é uma das produtoras mais atuantes nos fóruns internacionais. E mesmo que já circule com naturalidade pelos ambientes de negócios no exterior, se ressente de uma situação menos desconfortável no Brasil. “Tenho um filme com distribuidor internacional, mas não consigo um nacional”, conta. “A distribuição me enlouquece.”
Mineira baseada no Rio de Janeiro, Vânia Catani faz parte desse grupo seleto. Sua produtora, a Bananeira Filmes, circula pelos fóruns internacionais há uma década. “Se você tiver problema de ego, sofre muito nesses lugares: as pessoas conversam com você de olho em quem está passando, porque pode aparecer alguém mais importante e não dá para perder ninguém”.
Vânia comemora a sistematização e a circulação crescentes de informação qualificada no setor. E usa como exemplo o próprio catálogo da Mostra CineBH, que compila contatos dos festivais mais importantes do mundo. “Se eu tivesse um catálogo como esse dez anos atrás, já tinha ganho minha Palma de Ouro”, diz, em relação ao prêmio maior de Cannes.
Ela reforça a importância da profissionalização do produtor. “Tal qual o ator ou o diretor, o produtor tem que ter talento: é ofício que requer dedicação, estudo, pesquisa, como qualquer outro”.
A compreensão da dinâmica do mercado e a antecipação da busca de parceiros, ainda em tempo de se fazer ajustes no desenvolvimento do projeto, é fundamental: “É muito mais legal trabalhar o projeto, que aí o filme vem”, diz Vânia. “Não se chega por milagre num festival de primeira linha.”
“Os cineastas precisam levar projetos mais cedo a produtores e fundos”, diz o curador Paulo Roberto de Carvalho. “A competição é muito grande e o mercado não suporta.” Também curador do Brasil CineMundi, Helvécio Marins Jr. antecipa uma das principais ambições na continuidade do evento. “A gente quer, ano que vem, colocar os realizadores para sentar direto com os produtores.” A intenção é adotar uma metodologia que permita a identificação prévia de projetos e parceiros potenciais mais interessantes, de lado a lado, de modo a concentrar no que de fato possa prosperar.
O Brasil CineMundi apontou e debateu diversos outros temas para o posicionamento do filme brasileiro no mercado nacional e estrangeiro: a importância da ampliação do parque exibidor e da exploração de circuitos alternativos no país; a ocupação de janelas pouco exploradas como a da TV aberta; a carência de relatórios de frequência de público confiáveis na prestação de contas do exibidor para o produtor; o refinamento das políticas públicas, com a revisão da taxação sobre envio de cópias ao exterior, o aperfeiçoamento dos editais de financiamento e fundos de investimento e a ampliação do escopo de atuação do Cinema do Brasil (um facilitador da circulação de agentes da cadeia produtiva pelos fóruns internacionais).
Fonte: Assessoria de imprensa da Mostra Cine BH
Foto: Sara Silveira (Dezenove Som e Imagem), Mauricio Ramos (Videofilmes) e Barbara Francisco (Rizoma Films e Pasto Cine – Argentina) CRÉDITO: Pedro Silveira