Por Roberto Moreira S. Cruz
No panorama histórico das imagens em movimento, pode-se conceber claramente duas largas vertentes que demarcam o campo da linguagem audiovisual. Aquela determinada pela evolução do meio como expressão da indústria da comunicação, e outra como fruto da experiência criativa do realizador. Nesta segunda se insere o cinema de vanguarda, o cinema de autor, o cinema de artista e todas as vertentes da videoarte. Exatamente pela sua linhagem experimental, contestadora e inventiva é aquela mais especializada e, consequentemente, menos difundida.
Além do campo de investigação científica, reduto dos centros de pesquisa universitários, este cinema encontra refúgio e é objeto de análise em museus e centros de arte mais renomados. Nichos de prospecção, difusão e conservação de uma forma de expressão audiovisual de consumo restrito. Num meio como o cinema e a televisão, em que o empreendimento é ditado essencialmente pela regras do mercado, faz parte de uma boa política de gestão cultural na área do audiovisual uma atenção dedicada para essas formas de expressão, carentes de um escoamento natural e de mecanismos mais generosos de fomento.
Quando fui convidado, em 2001, para gerenciar o Núcleo de Audiovisual do Itaú Cultural, acreditava na possibilidade de realizar um planejamento voltado para o incremento de atividades focadas nesta produção experimental de cinema e vídeo. Naquela época, o instituto já havia assinalado, por meio de um ou dois projetos, a importância de fomentar a pesquisa e a difusão nesta área. Mas, fundamentalmente, uma gestão orientada nesse sentido não existia.
Aproveitando esta potencialidade embrionária, somada ao desejo enorme de colocar em prática algumas ideias, iniciei a produção em 2002 daquele que certamente foi o projeto que serviu de base para a consolidação de uma série de outros voltados para o nicho do experimental. Esse projeto foi o Made in Brasil – Três Décadas do Vídeo Brasileiro. Uma mostra que reuniu 84 produções, compilando 30 anos da história do vídeo de criação brasileiro. Após dois anos de uma bem-sucedida itinerância, atingimos um público de 18 mil espectadores e publicamos, em parceria com a editora Iluminuras, um livro de mesmo nome, sendo este, desde então, sistematicamente utilizado como referência pelos pesquisadores e professores da área.
Com o Made in Brasil adquirimos know how para trabalhar com projetos que envolvem uma série de procedimentos técnicos e conceituais específicos para tratar com conteúdo audiovisual. Da pesquisa ao licenciamento das obras, passando pelo processo curatorial de levantamento e seleção de títulos, à recuperação e remasterização de obras já em fase de deterioração até a organização de uma rede de parceiros que nos permite itinerar por todo o território nacional e no exterior.
Projetos como este exigem metodologia e logística de produção específica por abranger etapas diversas e práticas especializadas. O aprimoramento da gestão, neste contexto, se dá exatamente na compreensão do cenário em que essas produções estão inseridas, nas questões tecnológicas próprias do meio, na produção de conteúdo reflexivo sobre o assunto e, mais especificamente, numa prática administrativa que dê conta dos aspectos gerenciais e legais sobre, por exemplo, o direito de autor.
Acreditando no modelo aplicado em Made in Brasil, partimos para um projeto ainda mais arrojado, envolvendo agora a produção audiovisual experimental da América Latina. Após 18 meses de pesquisa e dois anos de itinerância, encerrou-se no mês de julho de 2010 o período de difusão do projeto Visionários – Audiovisual na América Latina, que reuniu 73 obras de 19 países. Ele contou com a participação de uma dezena de curadores e assistentes curatoriais que estabeleceram uma rede de contatos e informações para prospectar centenas de trabalhos de todo o continente.
Foram ao todo 39 itinerâncias, com exibições e debates em 14 países, e tendo como parceiros instituições como Museu de Arte Moderna de Buenos Aires, Argentina; Bienal de Vídeo y Nuevos Medios, de Santiago, Chile; Cinemateca do Uruguai; Telefônica do Peru; Museu de La República e Festival de la Imagen, Colômbia; Museu de Arte Moderna do Equador; Festival del Nuevo Cine Latinoamericano, Cuba; Museu Reina Sofia, Espanha; e The Netherlands Media Art, Holanda; entre outros.
Visionários lançou luz sobre uma produção de cinema e vídeo experimental praticamente esquecida em seu valor antológico e desconhecida no contexto contemporâneo. Como afirma Arlindo Machado no texto do catálogo do projeto, esse vídeo e esse cinema existem e existem numa proporção e qualidade que impressionam os (poucos) que se dedicam à aventura de buscá-los, estejam onde estiverem. O projeto Visionários é uma das poucas tentativas de buscar, mapear e sistematizar informações sobre essa produção invisível, mas vigorosa.
Em sua amplitude e complexidade, esse projeto exigiu o esforço dedicado e a competência de uma equipe de profissionais do Itaú Cultural, que em suas especialidades tornaram possível o trabalho específico de compilar o conjunto das obras selecionadas e formalizar as reflexões em torno do tema.
Ao longo destes nove anos na gerência dos projetos de cinema e vídeo do Itaú Cultural, rotineiramente tenho desenvolvido uma série de atividades que giram em torno das mesmas questões aprofundadas em projetos mais complexos como Made in Brasil e Visionários.
Por ter uma sede com programação diária e com atividades por todo país, o instituto organiza e promove eventos culturais com periodicidade mensal. Dentro da mesma perspectiva da política de dar visibilidade a esta produção, realizamos uma série de outros projetos também focados nessa vertente. O mais conhecido e antigo deles é a Mostravídeo, que há 13 anos exibe regularmente em Belo Horizonte filmes e vídeos experimentais.
Projetos como Interatividades (2002), Corpo Câmera Ação (2005), Memória Eletrônica – Retrospectiva Nam June Paik (2006), Experiências da Imagem (2007) e Filmes e Vídeos da Coleção Goetz (2009) são algumas das contribuições realizadas pelo instituto com o intuito de, cada vez mais, dar visibilidade a uma produção artística e experimental de excepcional qualidade que encontra pouco espaço de disseminação e difusão no país.
—
FONTE
Revista Observatório Itaú Cultural
Edição nº 10
Dezembro de 2010
Páginas 47-50
Saiba mais sobre a edição completa