A presente mostra nasceu como uma homenagem a Mohammad Rasoulof e Jafar Panahi (foto), ambos presos na onda de repressão às manifestações contra a fraude nas eleições presidenciais da República Islâmica do Irã em 2009. Longe de serem os únicos cineastas a serem retidos, os dois foram, no entanto, julgados, e receberam uma pena “exemplar”: seis anos de prisão e, no caso de Panahi, também vinte anos sem escrever ou realizar filmes, conceder entrevistas, entrar em contato com instituições estrangeiras ou deixar o território. Tal condenação mobilizou imediatamente a comunidade cinematográfica, que promoveu abaixo-assinados, projeções de seus filmes e tudo o que pudesse chamar a atenção para o fato e, com isso, pressionar o governo iraniano frente à opinião pública internacional.
Para nós, realizar este tributo depois de passado o furacão revela-se sobretudo uma forma de propor uma discussão sobre a conflituosa relação entre cinema e autoridade estatal no caso particular do Irã, onde a atividade artística é moldada por uma série de interditos. Partindo da pergunta: “o que é que nas imagens dos filmes destes realizadores faz com que eles incomodem, se não se trata de filmes militantes?”, desejamos propor um debate em torno da relação de seus filmes com a realidade. Em outras palavras, trata-se de tentar entender como as duas obras, em particular, trazem à tona uma questão aguda que percorre o cinema iraniano pós-revolução de 1979: de que forma filmar a vida iraniana, se toda representação deve refletir, por lei, o ideal de uma “sociedade islâmica”?
Como cineastas profundamente ligados à realidade concreta de seu país, Rasoulof e Panahi estão entre os que transpõem justamente esse conflito estrutural em imagens, através de suas estratégias de representação e da construção de um ponto de vista crítico que não se apresenta sob forma necessariamente discursiva. Se eles podem ser chamados de “cineastas iranianos” é porque seus filmes expressam, para muito além da temática e do roteiro, problemáticas centrais à situação de sua sociedade (e de sua cultura), regida há mais de trinta anos por uma lei religiosa que se traduz em um controle e uma vigilância permanentes do público e do privado.
DEBATE
Cinema e autoridade estatal, realidade e interditos: como filmar o Irã?
Palestrantes: Alessandra Meleiro, Tatiana Monassa e Hernani Heffner
Entre idealismo religioso e utopia ditatorial, a política pública posta em prática pela República Islâmica do Irã visa a uma sociedade factícia. Para além da questão da repressão e do autoritarismo necessários para afirmar tal projeto, é preciso se perguntar: como filmar a sociedade e a cultura iranianas sem ignorar a existência de uma distância entre a imagem projetada e a realidade concreta? Partindo da obra dos dois realizadores homenageados, Mohammad Rasoulof e Jafar Panahi, discutiremos a relação de seus filmes com a realidade, com base em suas escolhas estéticas e suas estratégias de representação e de construção de um ponto de vista crítico.
LISTA DE FILMES
Adeus| Bé omid é didar (Mohammad Rasoulof, 2011, 100min, 14 anos, DIGITAL) – História de uma jovem advogada em Teerã, em busca de um visto para sair do país, o que o próprio diretor fez durante o inverno de 2010/11. O filme foi exibido clandestinamente no Festival de Cannes de 2011, depois de prisão de Rasoulof.
Isto Não É Um Filme| In Film Nist (Jafar Panahi e Motjaba Mirtahmasb , 2010, 75min, 12 anos, DIGITAL) – Um dia na vida do diretor Jafar Panahi, antes do ano novo iraniano e logo depois da condenação de Panahi a uma pena de prisão de seis anos e 20 anos de proibição de filmar. O filme foi incluído na última hora na programação do Festival de Cannes de 2011 e é como uma mensagem atirada ao mar numa garrafa.
Os Campos Brancos | Keshtzar haye sepid (Mohammad Rasoulof, 2009, 92min, 12 anos, DIGITAL) – Por muitos anos, Rahmat foi atribuído a visitar várias ilhas onde ele vai ao encontro dos habitantes para coletar suas lágrimas. Mas ninguém sabe exatamente o que ele faz com elas.
A Antena | Baad-e-daboor (Mohammad Rasoulof, 2008, 65min, 12 anos, DIGITAL) – O governo da República Islâmica do Irã faz o possível para restringir o acesso dos cidadãos à informação e media do resto do mundo. O documentário analisa como os iranianos demonstram sua desenvoltura para bloquear os seus censores.
Fora de Jogo | Offside (Jafar Panahi, 2006, 93min, 14 anos, 35mm) – Após o estabelecimento da República Islâmica no Irã, as mulheres não são autorizadas a entrar nos estádios de futebol. O filme conta a história de um grupo de meninas iranianas tentam assistir a uma grande partida vestidas como os meninos, mas algumas são apanhadas e presas. O filme ganhou o Urso de Prata na Berlinale em 2006.
Ilha de Ferro | Jazireh ahani (Mohammad Rasoulof, 2005, 90 min, 10 anos, 35mm) – “Iron Island” é um navio enorme enferrujado na costa iraniana em que dezenas de famílias encontraram abrigo e formaram uma comunidade. O chefe do navio, Capitão Nemat tenta equilibrar a procura de emprego, petróleo, alimentos e até mesmo maridos para as famílias pobres. Ele controla a “residência” com poder absoluto, no entanto dois jovens amantes tentam desafiar a sua autoridade. A crise aumenta com a crescente pressão de interesses comerciais que procuram expulsar os moradores.
Ouro Carmim | Talaye sorkh (Jafar Panahi, 2003, 97min, 12 anos, 35mm) – Para Hussein, um entregador de pizza em Teerã, o desequilíbrio do sistema social é uma constante que ele vive diariamente. Seu trabalho lhe permite ver os contrastes entre ricos e pobres. Toda noite, ele viaja em uma motocicleta para bairros abastados e vê a vida por trás das portas fechadas. A hipocrisia generalizada do sistema oprime cada vez mais. Um dia, seu amigo Ali mostra-lhe o conteúdo de uma bolsa perdida: um colar acompanhado de seu recibo, que indica uma soma astronômica, que Hussein não pode sequer imaginar. Ele tenta devolver o objeto a uma joalheria, mas sua entrada é proibida, porque está mal-vestido. Em uma noite Hussein decide então saborear a vida de luxo e, ao amanhecer, ele decide voltar, discretamente, à joalheria.
O Crepúsculo | Gagooman (Mohammad Rasoulof, 2002, 83min, 12 anos, Digital) – Um fato estranho ocorreu em uma das prisões do Nordeste do Irã em 1998. O chefe da prisão escolheu um homem prisioneiro de 34 anos, que havia sido condenado diversas vezes durante sua juventude, para se casar com uma prisioneira condenada à prisão perpétua. Depois de um tempo, eles têm um filho e, mais tarde, a mulher é perdoada. Sete meses depois, a pena do homem chega ao fim e eles têm a chance de viver juntos fora da prisão. Mas a sociedade cruel os espera lá fora …
O Círculo | Dayereh (Jafar Panahi, 2000, 90min, 14 anos, 35mm) – Panahi filma uma comunidade que, deliberadamente, priva as mulheres às liberdades fundamentais e as fazem praticamente prisioneiras. Uma mulher é forçada ao divórcio por dar à luz a uma menina, enquanto seu ultra-som havia apontado para um menino. Três prisioneiras fogem, mas a falta de dinheiro as leva a um ato desesperado. Uma mulher jovem se vê obrigada a mendigar e a mentir para comprar uma passagem de ônibus. Outra é caçada pelos irmãos, após ter feito um aborto e fugido de casa. Monitoradas continuamente, sujeitas a uma burocracia pesada e discriminação que remonta ao início dos tempos, estas mulheres vêem as suas rotas se cruzarem em uma atmosfera cada vez mais dramática. Mas essas pressões opressivas não diminuem a energia, força e coragem de seu círculo. Vencedor do Leão de Ouro de melhor filme no Festival de Veneza.
O Espelho | Ayneh (Jafar Panahi, 1997, 95min, 14 anos, 35mm) – Na saída da escola Mina percebe que sua mãe não foi buscá-la e, em vez de esperar, decide tomar o ônibus e ir para casa sozinha. Quando ela chega no terminal, Mina percebe que está perdida e precisa de tomar outro ônibus na direção oposta. Ela olha para a câmera e começa a gritar: “Eu não quero atuar neste filme”. O filme, em seguida, toma uma forma documental. O diretor não consegue convencê-la a terminar a cena e concorda em deixá-la ir, mas a mantém com um microfone sem fio. A equipe de filmagem, guiada apenas pelo som, segue a jovem atriz, enquanto ela se perde em Teerã procurando referência que lhe permita achar seu caminho de casa. Nas suas aventuras, ela vai cruzar o elenco e enfrentar, como um efeito de espelho, as realidades da sociedade iraniana em mutação. Vencedor do Leopardo de Ouro do Festival de Locarno de 1997.
O Balão Branco | Badkonake sefid (Jafar Panahi, 1995, 85min, livre, 35mm) – No dia 21 de março, o primeiro dia da primavera, é festejado o ano novo no Irã. Razieh, de sete anos, sonha com um peixinho dourado, conforme a tradição iraniana. Com a ajuda de seu irmão, consegue convencer sua mãe, mas acaba perdendo o dinheiro nas ruas movimentadas da cidade. A sua tentativa de achá-lo lhe permitirá conhecer pessoas novas e viver incríveis aventuras. Vencedor da Câmera de Ouro do Festival de Cannes de 1995.
A Onda Verde | The Green Wave (Ali Samadi Ahadi, 2010, 80min, 12 anos, Digital) – Documentário-colagem que ilustra os dramáticos eventos que se seguiram à reeleição do ultra-conservador e populista Ahmadinejad como presidente do Irã em 2009. A violenta repressão às passeatas de protesto são narradas com técnicas mistas, que vão desde a reprodução de vídeos realizados por manifestantes até o desenho animado. O filme é baseado em autênticos relatos feitos na época pela mobilização dos jovens através da internet.
Quando e Onde?
Brasília: de 18 a 26 de maio de 2013
Caixa Cultural Brasília
Rio de Janeiro: de 21 de maio a 02 de junho de 2013
Caixa Cultural Rio de Janeiro