Por Clarisse Goulart
A indústria audiovisual vem atravessando nos últimos anos um de seus maiores desafios: a transição digital. A substituição do projetor em película 35 mm para a exibição digital é considerada pelos profissionais do setor algo tão importante quanto a inserção do som e da cor nos filmes no início do século XX. Em muitos países, essa novidade tem impactado diretamente a economia do setor audiovisual, aumentando as vendas nas bilheterias e impulsionando toda a cadeia produtiva.
Presentemente, Moçambique vive uma situação bastante dramática no seu setor de difusão audiovisual e carece de uma reestruturação da indústria e do mercado de cinema local. Além de uma presença maciça e quase indissolúvel da pirataria, o país que já teve cerca de 120 salas de cinema operando simultaneamente, hoje tem apenas três funcionando regularmente e sendo operadas de forma comercial. As três salas pertencem ao grupo português Lusomundo que, com raras exceções, exibem filmes americanos de mainstream e sucessos do cinema português.
Para uma população de aproximadamente 20,5 milhões de habitantes e crescimento demográfico, no período de 4 anos, de 2,4% em média, não existe, portanto, nenhuma opção de sala de cinema com conteúdo variado, independente e de arte, como filmes africanos, europeus ou, tampouco, de outros continentes. Os filmes feitos em Moçambique hoje não dispõem de locais para serem exibidos comercialmente em seu próprio país, portanto não chegam até seu público primário e, consequentemente, não geram renda dentro de seu mercado.
Visando a reestruturação e fortalecimento da indústria e do mercado de cinema em Moçambique, este estudo irá mapear a situação vivida pelo mercado cinematográfico do país hoje e os avanços do cinema digital no mundo para então analisar a viabilidade para a implantação de uma rede de cinemas digitais no país.
São de abrangência do estudo, aspectos econômicos, sociais e tecnológicos envolvidos no cenário investigado, e os resultados deverão apresentar possíveis soluções de tecnologia e modelo de financiamento condizentes com a realidade do país para a viabilização da rede que, quando implantada, deverá contribuir para uma mudança radical na indústria cultural de Moçambique.
O Estudo de Viabilidade para a Implantação de uma Rede de Cinemas Digitais em Moçambique nasce a partir de algumas premissas básicas:
1) O projeto do governo para a implantação de uma rede de fibra ótica, levando internet de banda larga para todo o país e possibilitando assim a operação do cinema digital, que consiste no envio de filmes digitalizados para os cinemas conectados à rede.
2) A necessidade de se estimular a indústria e o mercado de cinema no país, adequando-o ao contexto audiovisual em que grande parte dos países de todos os continentes se encontra hoje.
3) Os esforços do programa ACP Films para o desenvolvimento e estruturação da indústria de cinema e audiovisual nos países de ACP (África, Caribe e Pacífico).
O estudo foi realizado com base em conversas e entrevistas informais com os profissionais envolvidos na indústria audiovisual de Moçambique e de outros países, além de consultas a documentos, livros e internet.
Para embasar o estudo e realizá-lo da forma mais concreta e real possível, nos beneficiamos de experiências ocorridas em outros países, especialmente o Brasil, reconhecido por sua bem-sucedida experiência na implantação de uma rede de cinemas digitais voltada para o cinema independente, que mudou o curso do mercado audiovisual local.
Contexto Geral do Estudo
Este estudo é parte do projeto Doc-ACP, que por sua vez é financiado pelo programa ACP Films de apoio ao cinema e audiovisual na zona ACP.
A Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) apoia financeiramente a realização do estudo através da Associação Al Tarab, organizadora do Festival do Cinema Africano de Tarifa (FCAT).
O programa ACP Films foi subdividido de forma a concentrar-se em três setores específicos: o primeiro setor incide na produção ACP e na emergência de cineastas em países cujos governos estão menos envolvidos na política cultural; o segundo em torno da promoção, distribuição e visibilidade das produções ACP e na criação de redes profissionais; e o setor final relaciona-se com a formação profissional.
O projeto Doc-ACP consiste ainda em algumas ações de difusão da cultura audiovisual africana, sendo elas:
• Festival Dockanema (Moçambique)
• Real Life Film Festival (Gana)
• Zanzibar International Film Festival (Tanzania)
• Festival de Cinema Africano de Tarifa (Espanha).
O estudo de viabilidade para implantação de uma rede de cinemas digitais se insere justamente no segundo setor de financiamento do projeto Doc-ACP por ter relação direta com a questão da distribuição e difusão de filmes em salas de cinema. O estudo tem como apoiador direto, além da Associação Al Tarab, responsável pelo Festival de Cinema Africano de Tarifa (Espanha), o Festival Dockanema (Moçambique).
Para a realização deste estudo foi contratada uma consultora do Brasil, país lusófono e com quem Moçambique mantém boas relações de troca. A consultora participou da implantação da rede de cinemas digitais no Brasil (Rain Network) e possui mais de doze anos de experiência no mercado audiovisual.
Para ler o Estudo de Viabilidade na íntegra, acesse aqui.
Veja o artigo “Um outro começo“, de Clarisse Goulart e Alessandra Meleiro publicado na Revista Reserva Cultural, n.10, Lazuli Editora, São Paulo, 2011, pp. 64-67.