Financiamento público na Europa

Financiamento público na Europa

 

Por André Lange e Tim Westcott*

O financiamento setorial da indústria cinematográfica na Europa originou-se nos anos 1930, quando o surgimento do cinema falado fortaleceu o domínio americano nos mercados europeus, um fenômeno que realmente se estabeleceu no fim da Segunda Guerra Mundial.

Seguindo o impulso inicial da regulamentação protecionista na forma de quotas de tela (Alemanha, 1921; Reino Unido, 1927; Itália, 1927), a intervenção pública rapidamente tornou-se financiamento econômico direto. Independente da nacionalização das companhias de cinema pelas autoridades da União Soviética (1920), a primeira intervenção econômica estatal na indústria cinematográfica foi conduzida pelo regime fascista italiano, em 1931 (BRUNETTA, 1979); o regime nacional socialista na Alemanha, em 1933 (MUER, 1999); e o regime de Franco na Espanha, entre 1938 e 1941 (MONTERDE, 1995; CUEVAS, 1999). Na França, as primeiras propostas para uma intervenção econômica na indústria cinematográfica foram apresentadas em vários relatórios oficiais nos anos 1930. Entretanto, foi a criação do Comité d´organisation de l’industrie cinématographique (COIC) pelo regime Vichy (lei de apoio de 16 de agosto de 1940) que marcou o lançamento da intervenção pública na França (BILLARD, 1995).

Esta primeira onda de intervenções econômicas pelos regimes totalitários não ficou livre dos objetivos relacionados à propaganda e envolviam uma certa censura, mas, por outro lado, beneficiava filmes produzidos pelo setor privado. Depois da Segunda Guerra Mundial, a justificativa econômica para este tipo de intervenção, uma vez que a censura e a propaganda tinham sido eliminadas, não foi questionada pelos regimes democráticos.

Na França, por exemplo, a criação do Centre National de la Cinématographie (CNC) (ato de 26 de outubro de 1946) garantiu a continuidade de muitas características do sistema estabelecido em 1940 (VALTER, 1969; KESSLER, 2002).

De 1952 em diante, a República Federativa da Alemanha estabeleceu garantias de créditos bancários para a indústria cinematográfica. Na Bélgica, onde as autoridades públicas tinham apoiado a indústria nos anos 1930 (SOJCHER, 1999), os primeiros esquemas de financiamento automáticos foram lançados em 1952. No Reino Unido, a intervenção governamental foi inicialmente discutida em 1944, embora o financiamento em troca de uma parte na bilheteria (Eady Levy) não fosse introduzido até 1951. O sistema de financiamento, que foi inicialmente estabelecido para operar até 1954, na verdade, continuou até 1985 (BAILLIEU, 2002).

Entretanto, o princípio de financiamento público para a indústria cinematográfica se espalhou por vários Estados europeus. Instituições do Council of Europe e da Comunidade Européia (particularmente a Comissão Européia e o Parlamento) adotaram uma atitude positiva com relação a ele.

Atividades de financiamento público do Council of Europe para a indústria cinematográfica e audiovisual

O Council of Europe começou priorizando o auxílio governamental para a indústria cinematográfica em 1978 – por meio do Relatório do Committee on Culture and Education (Comitê de Cultura e Educação, Simpósio de Lisboa). A Parliamentary Assembly Recommendation, de 1979, recomendou aos governos a elaboração de novas políticas para o cinema, cobrindo, particularmente, o nível nacional, e de medidas práticas para o estímulo da sua produção. O Council for Cultural Co-operation estabeleceu um comitê governamental de especialistas, que esteve ativo até o início dos anos 1990.

Com o passar dos anos, o Council of Europe publicou diversos estudos comparativos de financiamento público para as indústrias culturais, particularmente, a indústria audiovisual e cinematográfica (CINEMA AND STATE, 1978; ROUET, 1987; COUNCIL OF EUROPE, 1989, 1991, 1992, 1998).

O apoio do Council of Europe para a produção cinematográfica foi elevado pela criação, em outubro de 1988, do fundo de co-produção Eurimages. Em 2 de outubro de 1992, o Council of Europe estabeleceu a Convenção européia de co-produção cinematográfica, que ganhou força em 1o de abril de 1994.

A importância das políticas de financiamento público foi enfatizada na 8ª Conferência dos Ministérios Europeus, responsável por assuntos culturais (Budapeste, 28 e 29 de outubro de 1996). As conclusões desta conferência enfatizaram que: “o processo de crescimento gradual do Council of Europe para uma Europa mais ampla aumenta a necessidade de se levar em conta as diferenças culturais e econômicas entre os Estados-membros, no que diz respeito à assistência na produção, distribuição e uso da sétima arte. Este tipo de relação justifica o tratamento especial que as políticas públicas, nacionais e internacionais, devem dar ao cinema que, como os livros, não podem ser designados como mero produto de consumo, totalmente sujeito às leis de mercado”.

Financiamento governamental para a indústria cinematográfica no contexto da União Européia

Desde a adoção do Tratado de Roma (1957), criando a Comunidade Européia, a questão de financiamento destinado à indústria cinematográfica é freqüentemente debatida, particularmente em relação à lei de competitividade da Europa. Este tema é o tópico desde 2001 e esteve na agenda de discussão da União Européia na primeira metade de 2004. A seguir, descreve-se alguns pontos referenciais para ajudar a entender as questões envolvidas neste processo.

a) Admissibilidade de financiamento para a indústria cinematográfica, sob o princípio do artigo 92.3 (c), do Tratado de Roma

Esta organização é baseada no modelo adotado pela Comunidade Européia seguindo a adoção do Tratado de Roma (1957). Sob o artigo 92.3 (c) deste tratado, certo financiamento governamental poderia ser considerado compatível com o mercado comum.

A Comissão tem levado em consideração o financiamento à indústria cinematográfica, devido à natureza econômica e cultural, coberta pelas provisões do acordo do tratado da EEC, sob os termos do artigo 92.3 (c), desde que ele respeite todas as provisões do tratado, particularmente aquelas que tratam do livre acesso de pessoas e livre provisão de serviços (artigos 7o, 48, 52 e 59).

Em 1989, uma decisão da Comissão afirmou que o mecanismo de financiamento cinematográfico introduzido pela Lei grega no 1597, de 12 de maio de 1986, era incompatível com o mercado comum, sob os termos do artigo 92.1 do Tratado de EEC, já que o financiamento estava sujeito às condições relacionadas à nacionalidade, compatível com os artigos 7o, 48, 52 e 59.

b) O Tratado de Maastricht

Com a adoção do Tratado de Maastricht, em 7 de fevereiro de 1992, a dimensão cultural foi introduzida ao processo de construção européia, por meio do artigo 3o, ou seja, contribuir para o “crescimento das culturas dos Estados-membros”.

O artigo 128 do tratado (artigo 151 após revisões apresentadas no Tratado de Amsterdã) autoriza que a União Européia estabeleça os instrumentos de apoio a iniciativas culturais, tais como os programas Culture 2000, European City of Culture e o European Month of Culture (respectivamente, Cultura 2000, Cidade de Cultura Européia e o Mês Europeu da Cultura). Seus dois principais objetivos são não só contribuir para o crescimento das culturas dos Estados-membros, no que diz respeito às diversidades nacional e regional, mas também promover a herança cultural comum. A União Européia financia a cooperação entre os participantes culturais em diferentes Estados-membros e complementa suas iniciativas, mas não exige que elas harmonizem suas políticas culturais. As atividades da Comunidade Européia visam quatro objetivos:

• aumentar a consciência e a disseminação da cultura e da história européia;
• preservar e proteger a herança cultural européia;
• intercâmbio cultural não comercial;
• criações literária, artística e audiovisual.

Existe grande incentivo de cooperação entre os Estados não-membros e as organizações internacionais, particularmente com o Council of Europe.

Sob o artigo 128 (4), agora 151 (4), a União Européia tem que levar em conta os aspectos culturais em todas as suas atividades. A adoção das atividades culturais propostas pela Comissão é feita em conjunto (um acordo do Parlamento Europeu e o Conselho dos Ministérios), em que o Conselho dos Ministérios tem que concordar com unanimidade.

Mais especificamente, em relação à questão do financiamento público, o artigo 92 (d) explica que eles estão em conformidade com o Mercado Comum sobre “o apoio para a promoção da cultura e a conservação do patrimônio, sendo que tal apoio não afeta as condições de comercialização e a competição na Comunidade, até onde for contrária ao interesse comum”.

*Artigo de André Lange e Tim Westcott publicado no volume V – Europa, da coleção “Cinema no Mundo: Indústria, política e mercado”, uma coedição do Instituto Iniciativa Cultural e Escrituras Editora.

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