Por Luís Nogueira
Comecemos por uma curta introdução que apresente, justifique e explique este livro. A faculdade e a competência narrativas são ancestrais e universais. Em todos os tempos e em todos os lugares o ser humano contou e conta histórias. A narrativa, fictícia ou factual, é uma das formas fundamentais de atribuição de sentido à existência e a cada um dos seus momentos. Daí o seu apelo imediato e o seu sucesso popular: todos somos capazes de partilhar uma narrativa, de a relatar ou mesmo de a inventar.
Ao longo da história do cinema, a sua propensão narrativa tornou-se progressiva e fatalmente dominante. A grande notoriedade que o cinema conseguiu ao longo do século XX, quer enquanto arte quer – e sobretudo – enquanto indústria, em muito se deve a esse privilégio formal e temático da narrativa. Tal sucede ao ponto de quase podermos dizer que para o espectador comum, genericamente, cinema e cinema narrativo se confundem.
Quer do ponto de vista do puro entretenimento, quer de uma perspectiva artística mais erudita e ambiciosa, a narrativa abre inúmeras possibilidades – ela pode divertir, emocionar, problematizar, reflectir, educar, entre outras funções simultaneamente desempenhadas ou não.
Num contexto mediático e cultural como o actual, em que a narrativa está em constante questionamento e redefinição, em função da metamorfose tecnológica dos media a que se tem assistido e das formas inéditas que esta origina, a sua relevância no discurso cinematográfico permanece intacta.
Se começamos esta introdução ao guionismo a sublinhar a importância da narrativa na criação cinematográfica é porque esta realmente detém aí um papel primordial. O guião cinematográfico funciona, sobretudo, como um instrumento de organização da informação narrativa e de partilha de uma história entre os diferentes participantes na concretização
de uma ficção cinematográfica. Importa notar que se nos referimos à ficção, é porque este género constitui o nosso objecto – não nos debruçaremos aqui sobre o guião para documentário ou outros géneros.
Esta relevância do guião na produção cinematográfica é, contudo, bastante desigual, existindo variadas perspectivas, métodos e abordagens. Nem todos os autores dão igual importância a esta ferramenta. Por exemplo, o cinema experimental, uma vez que recusa a narrativa, recusa igualmente o guião. Já no documentário, o guião, apesar de obedecer a uma metodologia e a uma forma diferente – mais flexíveis e abertas –, tende a ser visto como um bom auxiliar do processo criativo.
É, porém, na produção da indústria cinematográfica, fortemente assente na ficção, que o guião (assim como as demais ferramentas de planificação) ganha especial relevo, mas nunca homogéneo. Realizadores como Alfred Hitchcock, Orson Welles ou Stanley Kubrick são conhecidos pela minúcia com que preparavam os seus filmes. Já Elia Kazan, Sergio Leone ou John Cassavetes preferiam deixar um maior espaço ao improviso.
Como se comprova, não existe uma fórmula ou um método únicos. Ainda assim, importa compreender as vantagens criativas e produtivas do guionismo. A aquisição de competências na escrita de guiões, tendo em atenção as suas especificidades formais e estilísticas, pode ser, acreditamos, um factor de incremento tanto da criatividade como da disciplina narrativas – sendo que uma e outra se complementam e condicionam.
Tal parece indesmentível, mesmo se cada um encontrará a sua própria forma de trabalhar e mesmo se o domínio exaustivo dos procedimentos e técnicas adequados ao guionismo deve ser sempre complementado com uma atenção e uma curiosidade permanentes ao mundo, à arte e às pessoas, bem como um empenho reiterado. Aqui, tudo o que nos propomos
fazer é fornecer um conjunto suficientemente vasto e interessante de sugestões e questões que cada qual desenvolverá, aperfeiçoará ou – se assim o entender – ignorará, por conta própria.
FICHA TÉCNICA
Título: Manuais de Cinema I – Laboratório de Guionismo
Autor: Luís Nogueira
Colecção: Estudos em Comunicação
Ano de edição: 2010
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