Por Luiz Gonzaga de Luca*
Profundas modificações no setor de exibição cinematográfica ocorreram simultaneamente à implantação do cinema sonoro no país, que se iniciou em 1928 e que perdurou por cinco anos, quando, finalmente, o cinema mudo deixou de existir. Nesse momento histórico em que o cinema alcançava o status quo de mais importante entretenimento popular, verificou-se o esgotamento do modelo de negócios vigente desde o término do século XIX com a primeira exibição comercial, atribuída a Paschoal Segretto.
Durante os vinte anos subsequentes a essa sessão no Rio de Janeiro, muitos cineteatros foram abertos, apresentando uma composição de diferentes conteúdos que integravam um “programa cinematográfico”, mesclando sketches cômicos, operetas, números de mágica e interpretações musicais com a projeção de curtas e médias-metragens das mais diversas procedências, inclusive de produção nacional.
Diversos empresários advindos do circo, da cena musical ou do teatro adotaram a exibição do filme como atividade integrante de seus múltiplos negócios. Um deles, Francisco Serrador, sobressaiu-se, investindo tanto nos negócios de produção como nos de distribuição e de exibição.
Adquiriu os direitos de filmes das mais diversas procedências, acabando por controlar o setor com a aquisição da mais importante carteira de filmes, composta por películas francesas distribuídas pelo famoso fotógrafo Marc Ferrez. Nessa negociação, adquiriu também as salas de cinema que lhe eram pertencentes. Adicionalmente, detinha a distribuição de filmes de alguns estúdios norte-americanos que, até então, tinham importância secundária mesmo dentro do seu próprio território.
Com a total disponibilidade de conteúdos nas mãos e com um grande circuito de cinemas abertos em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, sua empresa cinema passou não só a representar a liderança no mercado como a ditar as regras de comercialização dos produtos, atuando sob o regime de monopólio.
Entender o que foi uma atuação monopolística em uma sociedade não organizada e não regulamentada pelo Estado é difícil em nossos dias. À época, tinha-se na “verticalização” das três pontas do setor cinematográfico (produção, distribuição e exibição) um trunfo imbatível, sendo considerado um comportamento comercial regular. Era comum que o produtor do filme fosse seu distribuidor e, ainda, seu exibidor, colocando-o em cartaz apenas em seus cinemas.
Um filme lançado exclusivamente numa sala da antiga Capital Federal só seria exibido em outro cinema após longo prazo da data de seu lançamento, como se podia atestar pelos cartazes que constaram até a década de 50 nos cinemas da rede Metro, em que se destacava que o filme ali exibido não poderia ser visto em qualquer outra sala da cidade nos próximos seis meses. Quando retirada de exibição em seu cinema lançador, a cópia iniciava uma peregrinação que atingia primeiramente os cinemas da cadeia do proprietário do título em exibição, para depois, seguir para os cinemas “agregados”, numa sequência estabelecida por quem pagava mais. Ser “agregado” significava que, além de pagar os valores referentes à locação do filme, tinha-se que pagar um “pedágio” ao circuito exibidor líder.
O domínio de Francisco Serrador era inquestionável e quase sem limites, a tal ponto que se viu instigado a implantar uma Cinelândia no Rio de Janeiro, seguindo o mesmo modelo que encontrou numa viagem a Nova York, quando se construía o Times Square. Uma área totalmente degradada era substituída por fantásticos cinemas, teatros, restaurantes, hotéis, em um intenso e dispendioso processo de substituição urbana que foi muito bem sucedido empresarialmente.
O duopólio nacional
Francisco Serrador retornou ao Brasil obcecado em lançar um Times Square nacional, que complementasse a modernidade imposta pela abertura da Avenida Central com seus edifícios majestosos promovidos por Pereira Passos e Rodrigues Alves no projeto republicano da modernização da então Capital Federal. A área desejada para a megaincorporação seria o terreno do antigo Convento da Ajuda, localizado na ponta final da revolucionária avenida e que fora derrubado para nada ali se instalar.
O resultado de tão ambicioso empreendimento, após a instalação de parte dos estabelecimentos projetados seria a insolvência do grande empresário. Serrador se viu obrigado a entregar a maioria de suas ações aos investidores que compunham um consórcio com fins específicos da construção do Quarteirão Serrador, o qual passaria a ser conhecido por Cinelândia. Menos de dois anos depois, as ações seriam revendidas ao empresário cearense Luiz Severiano Ribeiro, um exibidor que atuava em algumas cidades do Nordeste e que já tinha algumas salas na “região da Leopoldina” na cidade do Rio de Janeiro.
A efetivação dessa transferência acionária modelaria um novo perfil à exibição brasileira com um contorno de duopólio em que Serrador detinha o controle na região Sul e São Paulo e Severiano Ribeiro, do Rio de Janeiro e do Nordeste, evitando-se a competição predatória de ambos em seus territórios “protegidos”. Tal configuração permitiu que a Companhia Serrador desse movimento à transferência do polo exibidor de São Paulo, saindo da região da Praça da Sé para o Largo do Paissandu, constituindo-se assim, a Cinelândia paulistana.
As quebras de monopólios: os novos circuitos regionais
A nova configuração adotada no ano de 1928 vigeria até os meados da década de 1950, quando o exibidor Paulo Sá Pinto, até então proprietário de uma única e quase insignificante sala de exibição, o Ritz na Avenida São João da capital paulistana, decidiu quebrar o monopólio regional. Aproveitando-se dos conflitos comerciais da Companhia Serrador com os estúdios United Artists, conseguiu tomar a carteira de filmes desse distribuidor, o que lhe permitiu a aquisição de outras salas, como o Marabá e o República. Logo mais, se associaria aos irmãos Francisco (Chiquinho) e Magalhães Lucas e a Chico Verde, então sócio da distribuidora independente Condor Filmes. Essa empresa era detentora de direitos de fies europeus, em especial espanhóis, que teriam no final da referida década, produções de grande expressão econômica, como o recordista Marcelino, pão e vinho, as produções com a atriz e cantora Sarita Montiel e da cantora mirim Marisol.
A atitude dos sócios resultaria na expansão de um novo e forte circuito cinematográfico, a Sul Paulista. Porém, mais do que estabelecer uma simples alternativa para programação dos filmes, representou a quebra do monopólio de exibição nos “territórios” da Serrador.
Nos territórios dominados por Severiano Ribeiro surgiria, no final da década de 1950, um desafiante com o mesmo destemor de Paulo Sá Pinto: Lívio Bruni. Ex-sócio minoritário de Severiano em um negócio nos subúrbios do Rio de Janeiro, o empresário foi financiado pela Columbia Pictures, que se sentia desprestigiada por Severiano. Assim, foram abertos diversos cinemas na região metropolitana do Rio de Janeiro, em São Paulo e em algumas capitais do Norte e Nordeste.
Com salas bem localizadas, tendo equipamentos e instalações que representavam a modernidade, tais como os carpetes espessos e macios, os aparelhos de ar-condicionado, as poltronas de espaldar alto e os projetores de 70mm, Bruni conseguiu cooptar diversos estúdios norte-americanos e distribuidores independentes, passando a competir em igualdade com o circuito de Severiano Ribeiro. Envolvidos em práticas de competição extremada, pagando percentuais descabidos aos distribuidores, os dois grupos não identificaram a grave crise financeira que se instalara no país após o Golpe Militar de 1964, quando ocorria uma incontrolada inflação.
Tentando atingir melhores percentuais de negociação sobre os filmes, Bruni decidiu partir para a sua própria distribuição, adquirindo títulos europeus, ou seja, dedicou-se a uma atividade em que não possuía grande experiência. O resultado foi catastrófico, levando-o a uma concordata, que também foi o caminho escolhido por Severiano Ribeiro. Nesse último caso, devido a seu forte lastro imobiliário, a saída seria um caminho rápido e não traumático, enquanto para Bruni foi o selo final da existência de sua empreitada.
Do movimento iniciado por Paulo Sá Pinto e por Lívio Bruni, surgiu uma nova cinematografia. No caso dos territórios monopolizados pela Serrador, sobressaíram exibidores regionais, alguns deles ligados à distribuição de filmes independentes, em especial de filmes europeus, que acabaram por estabelecer ciclos esporádicos de gêneros cinematográficos, a começar pela já citada filmografia espanhola e pelos filmes baseados nas mitologias grega e romana, sucedidos pelos western-spaghettis e, no início da década de 70, pelos filmes de kung-fu, além, é claro, dos filmes eróticos e das comédias francesas e italianas. Além desses filmes que buscavam o público popular, houve também, a expansão do “cinema de arte” criando nichos especializados de mercado.
Muitos exibidores partiram para a distribuição desses gêneros de filmes, como a Famafilmes, a Pelmex – uma produtora e distribuidora estatal mexicana – e a Condor Filmes, que usavam suas salas como vitrines dos produtos a serem exibidos em outras cidades e estados.
No final da década de 1960, encontramos um parque exibidor segmentado com partícipes regionais, que detinham um grande número de cinemas, destruindo os aspectos monopolísticos. Apenas na cidade do Rio de Janeiro, o principal alvo de Lívio Bruni, é que tal situação não se mostrava tão desconcentrada, já que a deterioração das salas remanescentes do Circuito Bruni não permitiam o confronto com o revigorado circuito de Luiz Severiano Ribeiro, que passava a ser dirigido por seu filho Luiz Severiano Ribeiro Jr. De qualquer forma, identifica-se, mesmo nesse território cinematográfico, o crescimento, ainda que relativo, da Art Films e da Cinema Star, de propriedade de Roberto Darze, que assumiu parte do antigo circuito de Bruni.
A expansão dos circuitos
A década de 1970 iniciou-se com forças totalmente diferenciadas do regime de duopólio. No Rio Grande do Sul, o mercado era liderado pela Arco-Íris de Mario Leopoldo dos Santos (Mário Pintado) que assumiria as salas dos irmãos Vallanci (Franco Brasileira) e da Famafilmes; no Paraná, a Famafilmes disputava a liderança do mercado metropolitano de Curitiba com a CIC. No interior do estado paranaense, diversos pequenos exibidores compunham circuitos regionais que, aos poucos, seriam adquiridos posteriormente pela Arco-Íris.
O mercado paulista tinha um perfil totalmente diferente da década anterior. Diversos exibidores expandiram seus negócios, a começar pela Cinematográfica Haway, de propriedade dos padeiros de origem portuguesa, Manoel Gregório e Hermenegildo Lopes, que abriu cinemas no centro da capital paulistana, na Av. Paulista e iria em direção à Av. Brigadeiro Faria Lima, onde a Sul-Paulista e a Companhia Serrador, tinham duas salas no recém-inaugurado primeiro shopping center do país, o Iguatemi (1967). O mercado antes monopolizado pela Companhia Serrador era, então, dividido entre os três grupos que cresciam.
No interior do estado, Emílio Pedutti, proprietário de cinemas na região Sudeste do estado, ampliava suas extensões para o Norte do Paraná e Sul de Mato Grosso, associando-se à empresa Araújo & Passos. Em 1979, a Haway compraria seus 87 cinemas, assim como os da Campineira de Cinemas, que dominava a região de Campinas. Na região de Santos, à época, a segunda cidade mais importante do estado, competia-se entre as salas dos Irmãos Campos e as da família Freixo. No Triângulo Mineiro, Wilton Figueiredo avançava sobre os cinemas da região e ia em direção à região de Ribeirão Preto.
A rápida recuperação da saúde financeira do Grupo Severiano Ribeiro, não acompanhada por seu rival, fortaleceu sua liderança no mercado carioca. Roberto Darze passou a compor um circuito para lançamento dos filmes da Columbia Pictures, capitaneado pela Art Films e complementado pelas poucas salas restantes da família Ferrez. Além desses cinemas que tinham capacidade de lançar apenas os filmes com o selo da Columbia e da própria Art Films, havia as salas da CIC, que exibiam os filmes de seus selos. Em Brasília, dividia-se o mercado entre as salas do Cine Brasília e Atlântida pertencentes a Severiano e as salas construídas pelo empreendedor local Karin Abduz. Severiano era hegemônico em todo o Nordeste, onde tinha apenas a Art Films como um concorrente de peso.
O empresário cearense não ingressara no mercado baiano, sendo este dividido entre a Condor (neste caso, após a venda das salas, a CIC) e a Art Films. Em Belo Horizonte, o empresário Antônio Luciano era o principal exibidor competindo com a Art Films. Severiano Ribeiro dominava a região Norte, com salas em Manaus e Belém.
*Trecho do artigo Luiz Gonzaga Assis de Luca no livro “Cinema e Mercado”, volume III da coleção “Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira”, uma coedição do Instituto Iniciativa Cultural e Escrituras Editora.