Por Randal Johnson*
Hoje o cinema nacional circula mais que nunca fora do país. A disponibilidade de filmes em diversos formatos – e principalmente formatos digitais – aumentou consideravelmente nos últimos anos, não apenas em festivais e mostras, mas também em locadoras e serviços como Netflix, na internet, ou em sites como Amazon.com. No entanto, é notória a dificuldade de acessar circuitos comerciais, especialmente nos Estados Unidos, onde por volta de apenas três por cento dos filmes lançados comercialmente são estrangeiros, devido à estrutura e à potência da indústria cinematográfica nacional ou à frequentemente falada resistência que o americano supostamente tem em relação a legendas ou a certo etnocentrismo. Sem pretensão de ser exaustivo, neste artigo examinarei alguns aspectos da recepção do cinema brasileiro nos Estados Unidos e, em menor medida, na Inglaterra.
Os filmes da Retomada no mercado americano
Desde a retomada da produção brasileira depois da crise dos anos Collor, pelo menos de acordo como o site Box Office Mojo (www.boxofficemojo.com), 18 filmes brasileiros foram lançados comercialmente nos Estados Unidos. O ranking é a posição ocupada numa lista de 919 filmes estrangeiros (foreign language films) lançados nos EUA desde 1980, de acordo com o mesmo site.
“Estreia” se refere ao mês e ano do lançamento. A coluna “Salas” dá o número de salas do primeiro fim de semana, seguido pelo número máximo de salas que exibiram o filme simultaneamente. Infelizmente, não oferece uma indicação do número total de salas nas quais o filme foi exibido, nem do número de cópias disponíveis. Finalmente, “RT” inclui a avaliação dos críticos cadastrados no site Rotten Tomatoes (www.rottentomatoes.com).
Dos filmes brasileiros lançados no mercado americano nos últimos 15 anos, apenas dois – Cidade de Deus (Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2002) e Central do Brasil (Walter Salles, 1998) – figuram entre os primeiros cem filmes estrangeiros de maior bilheteria, aquele no 27º lugar, este no 45º. Apenas cinco – aqueles dois e Bossa Nova (Bruno Barreto, 2000), O ano em que meus pais saíram de férias (Cao Hamburger, 2006), e O que é isso, companheiro? (Bruno Barreto, 1997) – estão entre os primeiros quatrocentos, o que representa apenas 1,25% deste total. Dois destes cinco foram distribuídos por Miramax, dois por Sony, e um por City Lights. Três – Cidade de Deus, Central do Brasil, e O que é isso, companheiro? – tiveram indicações para o Oscar, e outro, O ano em que meus pais saíram de férias, perdeu uma indicação por pouco. Uma indicação, no entanto, não garante sucesso, pois O Quatrilho (Fábio Barreto, 1995) recebeu uma indicação e nem sequer foi lançado comercialmente nos EUA.
Quatro diretores – Bruno Barreto, José Padilha, Karim Ainouz e Walter Salles – são responsáveis por oito dos 18 filmes na lista, com dois filmes cada um, e quatro distribuidoras são responsáveis por 13 filmes do total: Sony (5), Miramax (4), New Yorker (2), e Strand (2). Em termos de produção, cinco dos filmes são da Videofilmes – Central do Brasil, Abril despedaçado (Walter Salles, 2001), O céu de Suely (Karim Ainouz, 2006), Madame Satã (Karim Ainouz, 2002), e Cidade Baixa (Sérgio Machado, 2005; três da O2 – Cidade de Deus, Antônia, Cidade dos Homens (Paulo Morelli, 2007; dois de Luiz Carlos Barreto – O que é isso, companheiro?, Bossa Nova; e dois da Zazen – Ônibus 174, Tropa de Elite, os dois dirigidos por José Padilha. Globo Filmes está envolvida na produção de sete dos filmes: O ano em que meus pais saíram de férias, Antônia (Tata Amaral, 2006), Bossa Nova, Carandiru, Cidade de Deus, Cidade dos Homens, e Orfeu. Vários dos filmes – Central do Brasil, Abril despedaçado, Madame Satã, O céu de Suely, entre outros – são coproduções internacionais, sem contar, necessariamente, a coprodução através do Artigo 3 da Lei do Audiovisual, do qual participaram oito dos filmes (O que é isso, companheiro?; Bossa Nova; Eu, Tu, Eles; Carandiru; O outro lado da rua (Marcos Bernstein, 2004), O ano em que meus pais saíram de ferias, Cidade dos Homens, e Tropa de Elite). O envolvimento de produtoras estrangeiras, as distribuidoras associadas à MPA, e Globo Filmes, dá uma clara indicação que de modo geral – mas não exclusivo – os filmes que têm acesso ao mercado americano são filmes orientados mais para um público amplo do que para um público restrito.
Não é de se surpreender que não exista uma correlação necessária entre desempenho de bilheteria e recepção crítica, mesmo porque as condições de lançamento (distribuidora, número de cópias etc.) são tão diferentes. Um filme lançado em apenas uma sala dificilmente vai competir na bilheteria com um filme lançado em 50 salas, embora os casos de Cidade de Deus e Central do Brasil mostrem que um grande lançamento inicial não é condição sine qua non de sucesso no mercado.
Em termos de qualidade, pelos menos de acordo com os críticos afiliados ao site Rotten Tomatoes, a ordem é um pouco diferente. Em termos da “nota” dada, Ônibus 174 ( José Padilha, 2002) figura em primeiro lugar, com uma avaliação de 8,3, seguido por Cidade de Deus (8,2), Central do Brasil (7,9), Antônia (7,4), e O ano em que meus pais saíram de férias (7,2). Os filmes que receberam as notas mais baixas foram Orfeu (Cacá Diegues, 1999, 5,9) e Tropa de Elite (José Padilha, 2007, 5,1). Usando o critério do “tomatômetro” (a porcentagem de críticos que dão um parecer favorável), Ônibus 174 continua em primeiro lugar com uma nota perfeita de 100, seguido por Central do Brasil (94), Antônia (93), Cidade de Deus (92), e A casa de Alice ( Chico Teixeira, 2007, 90). Tropa de Elite e Orfeu continuam nos últimos lugares, com 53% e 36%, respectivamente.
Em termos do “tomatômetro”, três dos 18 filmes lançados nos EUA foram desaprovados pela média da crítica (isto é, não alcançaram os 60% necessários, de acordo com os critérios do site Rotten Tomatoes): Tropa de Elite, com um índice de aprovação de 53%, O que é isso, companheiro?, também com 53%, e Orfeu, com um índice de apenas 36%.
Seria impraticável, dadas as dimensões do artigo, analisar as razões da aceitação diferenciada dos filmes pela crítica especializada. Cidade de Deus, por exemplo, foi elogiado por sua autenticidade, brilho, intensidade, atmosfera e força devastadora, embora alguns críticos tenham notado que “a distinção entre a representação e a exploração da violência é tênue”, o que ecoa, de certa forma, alguns dos debates que ocorreram no Brasil a respeito do filme.
De modo geral, o entusiasmo expressado pela crítica em relação à Cidade de Deus não foi transferido a Cidade dos homens ou Tropa de elite. Em sentido positivo, Cidade dos homens, que teve um lançamento relativamente amplo em 75 salas, foi visto quase sempre em relação à Cidade de Deus, e foi considerado, por alguns críticos, um filme autêntico, brutal, e envolvente, com um “estilo kinético”, mas um crítico canadense – Rick Groen – resumiu as ressalvas quando escreveu: “Meirelles se foi, e com ele foi a intensidade. O que sobra é uma mistura de sociologia acreditável e melodrama cansado, além de um sentido palpável de déjà vu”.
Escrevendo em The Village Voice, crítico Jim Ridley oferece o que poderia ser tomada como uma visão paradigmática de Tropa de elite: “Padilha propõe precariamente a força bruta da tropa menos como um mal necessário do que como resultado de um mal existente – uma situação sem vencedores que zomba dos ideais liberais e transforma distorcidamente o pragmatismo conservador em terrorismo doméstico. A época da ação pode ser antes de onze de setembro – 1997, para ser preciso – mas as opções desoladas do filme são decididamente pós-Guantánamo”.
O comentário de Ridley mostra claramente uma tendência da crítica americana (e não apenas americana), e isso é tendência a situar os filmes em termos do seu próprio conhecimento e, não necessariamente, em termos da realidade brasileira representada. Aqui, Ridley se refere à atuação do governo americano – violência e tortura – na prisão de Guantánamo. Outro exemplo, um pouco diferente, seria O que é isso, companheiro?. O filme, visto como um “thriller” político, não foi particularmente bem aceito nos Estados Unidos, mas geralmente por causa de problemas de construção, ritmo e desenvolvimento de personagens, e não, por questões políticas. A recepção, portanto, foi bem diferente da sua recepção no Brasil, onde o filme foi rejeitado virulentamente pela esquerda.
Os filmes brasileiros aparecem bem mais no circuito de festivais, que se multiplicaram nos últimos anos, que incluem desde mostras internacionais (Cannes, Berlim, Veneza, Toronto, Los Angeles) até festivais com enfoques específicos, incluindo aí um número crescente de festivais de cinema brasileiro (ou luso-brasileiro, como no caso de um festival anual organizado em Santa Maria da Feira, em Portugal). Na área de Los Angeles, por exemplo, o Palm Springs International Film Festival abre o ano em janeiro, seguido pelo Los Angeles Film Festival em junho, e o festival do AFI (American Film Institute) em outubro. Os três normalmente incluem um ou mais filmes brasileiros.
Nos intervalos desses festivais “maiores”, há pelo menos três festivais mais específicos que incluem filmes brasileiros: o Los Angeles Latino International Film Festival (Laliff), o Los Angeles Brazilian Film Festival (Labff), e, a partir de janeiro de 2009, o Hollywood Brazilian Film Festival. Laliff foi fundado em 1997 pelo ator e ativista Edward James Olmos, e é organizado sob o comando da peruana Marlene Dermer. O festival inclui filmes das Américas, inclusive o cinema latino produzido nos Estados Unidos, e da Península Ibérica, frequentemente com a presença dos diretores. Normalmente exibe pelo menos meia dúzia de filmes brasileiros.
Em 2008, por iniciativa dos baianos Meire Fernandes e Nazareno Paulo, fundou-se o primeiro festival de cinema brasileiro em Los Angeles, o LABFF, que inclui exibições de filmes e debates sobre uma variedade de tópicos. Em 2009, fez uma homenagem especial ao estado da Bahia e ao cinema baiano, especialmente à obra de Glauber Rocha, com a presença de Paloma Rocha, Joel Pizzini, e Affonso Beato. Em janeiro de 2009, Talize Sayegh fundou o Hollywood Brazilian Film Festival, que exibiu os três longas e vários curtas e documentários. O tempo dirá se a cidade de Los Angeles comporta dois festivais de cinema brasileiro, especialmente considerando a inclusão de filmes brasileiros em outros festivais e mostras.
No âmbito acadêmico, a Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), junto com o Consulado Geral do Brasil, organiza uma série de filmes brasileiros recentes, com a exibição de um filme na primeira quarta-feira de cada mês durante o ano letivo. Alguns dos filmes incluídos na série são Cidade dos homens, Vinícius, Não por acaso, Fabricando Tom Zé, Alucinados, Meu nome não é Johnny, Nome próprio, A casa de Alice, Lavoura arcaica, O mistério do samba, O signo da cidade, e Se eu fosse você 2, às vezes com a presença do diretor, produtor ou um dos atores.
*Trecho do artigo Randal Johnson no livro “Cinema e Mercado”, volume III da coleção “Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira”, uma coedição do Instituto Iniciativa Cultural e Escrituras Editora.