por Alessandra Meleiro e Arthur Lara
A nova identidade da linguagem audiovisual publicitária, que teve início nas experimentações estéticas dos movimentos alternativos de jovens “videomakers” na década de 80, pode ser entendida como uma ‘criação expandida’ já que revela um rompimento com as formas hegemônicas de produção e incorpora ruídos e interferências na imagem, que antes eram tratados como defeito ou algo a ser eliminado.
O avanço técnico dos equipamentos, aliado ao desenvolvimento da comunicação em plataformas interativas e a criadores-autores ambientados no mundo digital, deu nova plasticidade à imagem.
Eduardo Xocante, diretor de criação da Paralela Filmes e um dos principais responsáveis pela identidade visual da MTV no Brasil pode ser considerado um multiplicador dessa linguagem inovadora a que chamamos ‘estética expandida’.
Xocante, que desde os quatorze anos freqüentava produtoras, começou trabalhando com música como assistente de mixagem do disco Realce, de Gilberto Gil. Iniciou na rede Globo na área de áudio, mas enveredou por experimentações com a imagem. O domínio de equipamentos técnicos veio com a edição dos programas Esporte Espetacular e Globo Repórter (que na época era feito em película) e com experimentações, madrugada afora, com o parque de equipamentos da Globo: switcher, telecine, câmera, vt, ilhas…
Depois da Globo atuou como editor de clips e comerciais na produtora francesa Image Resource, uma empresa de pós-produção do porte da Casablanca brasileira: “Definitivamente não era como trabalhar no Brasil, as pessoas eram super-profissionais em cinematografia. Na época eu não falava um bom francês e não entendia tudo o que o diretor dizia, mas procurava abstrair, fazia algo diferente do pedido e no final eles adoravam”, diz Xocante. Quando voltou da França trabalhou como editor do diretor francês Olivier Perroit no Brasil, ganhando prêmios em vários países, como Nova York e Itália.
Quando ainda não existia edição não-linear, Xocante já editava não linearmente em máquinas lineares, blocando as imagens e às vezes gravando a fita ao contrário: “Meu método de trabalho não era do início até o final do evento, eu já editava fora de ordem. Mas não importa muito se a edição é linear ou não-linear, o que importa é a narrativa da peça”, diz.
Xocante foi um dos ‘pais’ da MTV brasileira. Convidado para desenvolver a criação da identidade visual da MTV no Brasil, a pedido de Marcelo Machado (Olhar eletrônico, TV-MIX), desenvolveu vinhetas, fundos, chamadas e editou clips. Buscando fugir da plasticidade norte-americana, já que inicialmente a programação vinha toda dos Estados Unidos, incorporava o acaso, tirando partido do inusitado. Sua equipe empenhou-se na simulação da programação da MTV brasileira durante um ano, captando pilotos para serem comercializados pelo departamento comercial da emissora. Muitos dos pilotos atraíram as agências de publicidade e viraram programas do canal.
“Mesmo começando com alta tecnologia na TV Globo, com uma polegada, eu já tinha muita vontade de testar, de experimentar, de ser irreverente. Gostava do que o pessoal do Olhar Eletrônico, a produtora do Fernando Meirelles, produzia. Tive oportunidade de trabalhar com os dez fundadores da MTV, como John Klein de Londres, com o lado da MTV que vinha da vídeo-arte alemã, inclusive buscando referências em Nam June Paik”, diz Xocante, revelando a influência que o grupo de artistas Fluxus (de Nam June Paik, juntamente com Yoko Ono e Bueius) teve em seu trabalho.
Fernando Meirelles, uma das pessoas citadas por Xocante, é parte da geração de arquitetos, artistas performáticos, cineastas, publicitários e profissionais da moda que vieram a trabalhar de uma maneira inovadora com os suportes audiovisuais. “Inovação em direção de arte não significa alienação da peça publicitária: requer que o diretor de arte esteja preocupado com o conceito da peça que vai ser filmada, não se pode aplicar a referência do filme Matrix no shoot board ou cenário de um comercial de fraldas Johnson, por exemplo”, diz Xocante.
As agências de publicidade que começaram a apostar nos jovens videomakers fizeram da câmera uma usina de reciclagem estética transformando “defeitos” em “efeitos”, como imagens de fita voltando, acelerando imagens, filmando imagem de monitor, incorporando erros da filmagem na edição, ruídos, imagens em VHS ou usando wipes mais pops .
Xocante representa um tipo de criador que acumulou grande repertório ao passar por edição e direção de arte e, atualmente, na produtora Paralela Filmes, dirige filmes comerciais. Sem deixar de cuidar da parte eletrônica de seus filmes, hoje atingiu uma maturidade profissional desejada por muitos: seleciona os trabalhos e a equipe (diretor de arte e redator) com quem trabalha, buscando um time afinado: “naturalmente passei a peneirar os filmes mais conservadores”, diz.