Pelos caminhos de Bollywood

Pelos caminhos de Bollywood

 

Por Belisa Figueiró

Depois do Oscar de melhor filme para “Quem Quer Ser um Milionário”, as pinceladas de Bollywood tomaram o mundo do cinema. Mas, se os estereótipos dos costumes e das tradições indianas ainda são gritantes, por outro lado, a magia e as características dessa indústria são um orgulho para seu povo.

A catarse que acontece em uma final de campeonato no Brasil e a vibração dos torcedores é mais ou menos a mesma dos fãs de Bollywood dentro de uma sala de cinema, comentando, cantando e dublando o filme, em cena aberta, além de dançarem no final, imitando as coreografias dos astros da tela. É nesta comparação que o produtor indiano radicado nos Estados Unidos, Ram Prasad Devineni, define a emoção dos milhões de cinéfilos que vão aos cinemas todos os dias, na Índia.

Devineni é descendente da família Prasad, conhecida no sul da Índia pela produção e pós-produção de cinema, a primeira a trazer a cor para os filmes da região. Com seis anos de idade, na década de 1970, mudou-se para Nova York com os pais e lá vive desde então. Estudou Ciências Políticas, foi organizador de campanhas, publicou livros de poesia, dirigiu documentários, ajudou a fundar a Academia Internacional de Cinema de São Paulo (AIC) e agora é presidente da produtora nova-iorquina Rattapallax Films e está produzindo o longa-metragem “O Sonho Bollywoodiano”, da brasileira Beatriz Seigner.

O filme é um dos primeiros a serem dirigidos por uma brasileira e filmado na Índia sob a tutela de um estúdio local (Prasad Studios) e a história retrata justamente a saga de três garotas que decidem tentar a sorte na indústria cinematográfica de Bollywood, localizada em Mumbai. A previsão é de que o filme esteja pronto até o início de setembro, com lançamento em novembro no Brasil, embora ainda não tenha um distribuidor definido.

Coproduções

Os acordos de coprodução entre a Índia e o Brasil ainda não são oficiais, e mesmo com outros países as possibilidades são limitadas. O produtor explica que a principal dificuldade é encaixar os cenários daquele país no roteiro. “Quando você faz um filme na Índia, é impossível escapar dela. Não é como no Brasil, onde você pode fazer com que as locações se pareçam com o México, com a Argentina ou até mesmo com os Estados Unidos. Só isso já reduz muito a quantidade de filmes realizados na Índia. É por isso que ‘Quem quer ser um milionário’ foi filmado lá”.

E para não perder as parcerias internacionais, a pós-produção nos laboratórios indianos – com custos baixos –, é o principal atrativo. Com mão de obra barata, os filmes são finalizados por até um terço do preço cobrado nos Estados Unidos, com a vantagem de contratar experientes montadores, engenheiros de som e de efeitos especiais que falam inglês. De acordo com Devineni, há leis e contratos vantajosos para os países ocidentais e tecnologia que permite dois ou mais países trabalharem juntos. “Essa é uma grande tendência. Você pode enviar o material para um satélite e fazer uma reunião com alguém em Hollywood e em Mumbai, trabalhando simultaneamente no mesmo projeto, sem se deslocar até a Índia. Várias animações já são feitas assim na Índia”.

As produções domésticas também têm orçamentos bem abaixo dos padrões hollywoodianos – a exemplo de “O Curioso Caso de Benjamin Button”, que custou US$ 150 milhões (algo como R$ 300 milhões) – e até dos parâmetros brasileiros. Em Bollywood, se o elenco tiver grandes astros, pode chegar a R$ 24 milhões ou R$ 30 milhões, mas a média é de R$ 4 milhões. No sul da Índia, que tem tradição pelas produções mais independentes, os filmes chegam a custar R$ 600 mil. Já aqui no Brasil, o prêmio de baixo orçamento do Ministério da Cultura é de R$ 1 milhão e os filmes geralmente passam disso. “Dois Filhos de Francisco”, por exemplo, captou R$ 5,4 milhões.

Em todo o ano de 2008, 1.024 filmes foram produzidos na Índia, 114 deles em Bollywood, de acordo com o levantamento do Central Bureau of Film Certification. O número total de espectadores foi estimado em 3 bilhões de pessoas, segundo a Indian Motion Pictures Producers’ Association, uma média de 8,2 milhões de cinéfilos por dia. A arrecadação nas bilheterias domésticas chegou a 80,21 bilhões de rúpias (R$ 3,06 bilhões) e, no exterior, o mercado exibidor faturou 9,71 bilhões de rúpias (R$ 370,1 milhões) na venda de ingressos de filmes indianos.

Capital privado

Outra grande diferença é que, na Índia, o governo não investe em cinema e os filmes são feitos com capital privado. A partir de 1990, quando também surgiu uma classe média mais estável na Índia, foram aprovadas as leis que reconhecem a indústria e, desde então, os estúdios conseguem financiamento de bancos e grandes corporações. Muitos investidores, inclusive, assumem os riscos do setor cinematográfico em nome do glamour de Bollywood.

“Como não há intervenção do governo, é tudo muito orgânico e até caótico. E realmente não há nenhuma garantia de retorno, mas todos querem estar no cinema. Mesmo que sejam produzidos 1.000 filmes por ano, 850 são considerados fracassos de bilheteria, mas as pessoas continuam a investir. É o fascínio, a paixão. As estrelas do cinema são como deuses na Índia. Não há lógica nisso”, descreve Devineni.

Um dos investidores que pode ser dar ao luxo de correr grandes riscos é a Reliance Industries, grande conglomerado que, entre outras atividades, também explora e refina petróleo. O setor artístico do grupo investe em produção e exibição de cinema, inclusive nos Estados Unidos, por meio da subsidiaria Reliance Entertainment.

Entretenimento paralelo

Para multiplicar os investimentos na produção dos filmes e não depender apenas da bilheteria para garantir o retorno financeiro, a indústria de Bollywood também mira outros produtos de entretenimento. Os astros do mainstream, considerados deuses na Índia, também cantam e dançam, o que abre o mercado para a venda de CDs e garante uma boa audiência em programas de televisão. De olho nesse filão fanático, alguns produtores preferem lançar a trilha sonora antes mesmo da estreia do filme para que os fãs possam decorar as músicas e cantá-las nas salas de cinema, diante dos ídolos na telona.

Com as letras na ponta da língua, os cinéfilos correm para as salas de cinema e, se o filme for bom, não se importam de rever 5, 10 ou até 20 vezes. Não é à toa que eles são conhecidos por freqüentar as salas até três vezes por semana, na média, somando um público de 3,8 bilhões de espectadores anuais, em todo o mundo, segundo o British Film Institute. “Você identifica as pessoas que assistem aos filmes mais de seis vezes quando você olha e elas estão dublando todas as falas. Isso é muito comum na Índia”, reforça Devineni.

Coreografias com dezenas de dançarinos invadem a trama em diversos momentos e, na cena final, a dança é convidativa para que os espectadores levantem de suas poltronas e interajam entre si e com os personagens. Fora das salas de exibição, somente os filmes mais antigos, já revistos várias vezes, são os que podem arrecadar um pouco mais de dinheiro na televisão. O forte de Bollywood ainda é a tela grande. “A televisão da Índia é uma porcaria, a qualidade das telenovelas é muito ruim, ao contrário do Brasil, que tem uma produção muito profissional”, compara Devineni.

Assim como a fábrica de ilusões brasileira, Bollywood também não representa a realidade indiana, segundo o produtor. “Bollywood sempre reflete as esperanças e os sonhos da Índia, é feita de fantasias, melodrama, em qualquer época. Os filmes mais honestos são feitos fora de Bollywood. É como a Hollywoodização. Os indianos não dançam espontaneamente nas ruas e nem saem cantando daquele jeito”, ironiza.


FONTE
Revista Movie
Edição nº. 01
Data: Outubro de 2009
Foto: Diretora Beatriz Seigner filma os bastidores de Bollywood / Crédito: Divulgação
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