Por Janet Wasko*
A globalização é um fenômeno amplamente debatido neste século, e o fluxo transnacional de produtos culturais está no foco de várias discussões. No entanto, a distribuição internacional de filmes americanos não é um fenômeno novo. Desde a primeira metade do século XX, os filmes americanos vinham sendo distribuídos em escala global e vieram a dominar as telas de cinema (e os vídeos) em muitas partes do mundo. Hollywood quase sempre olhou para fora dos Estados Unidos para, literalmente, expandir seus mercados e aumentar o lucro de seus produtos. Nos últimos anos, porém, esses mercados foram tornando-se cada vez mais importantes para os conglomerados de entretenimento transnacionais que dominam a indústria cinematográfica americana.
Alguns desdobramentos atraíram Hollywood para mercados estrangeiros nas últimas décadas. A contínua desregulamentação ou privatização de operações de mídia abriu novos canais comerciais e expandiu fortemente a programação de rádio e televisão e os mercados publicitários. O desenvolvimento e disseminação de novas tecnologias, como televisão a cabo ou satélite, VCRs e DVDs, continua ampliando o mercado internacional, traduzindo-se em novas vendas de produtos de entretenimento.
Embora o avanço das novas tecnologias e as ações de privatização e desregulamentação tenham acelerado as atividades globais de Hollywood, a indústria cinematográfica americana já dominava o negócio cinematográfico mundial. Diferentes tipos de estudiosos, de acadêmicos a analistas do setor, ofereceram razões para esse predomínio e as explicações são bastante diferentes. No entanto, a verdade é que a preponderância de
Hollywood é uma complexa mistura de fatores históricos, econômicos, políticos e culturais. Esta discussão apresentará um panorama desses fatores, e também dos novos desdobramentos que afetam a comercialização internacional dos filmes de Hollywood.
Receitas internacionais
É indiscutível que Hollywood domina os mercados mundiais de cinema. Atualmente, os filmes de Hollywood são lançados em escala internacional, em toda parte, de alguns dias a seis meses após seu lançamento doméstico. A distribuição nos formatos de vídeo doméstico e nos mercados de televisão e cabo vem logo em seguida.
Um relatório assegura que os principais estúdios americanos controlam, hoje em dia, 75% do mercado de distribuição fora dos Estados Unidos (ABN AMRO, 2000). Outro afirma que a arrecadação total de bilheteria corresponde a 26% da receita total de um filme lançado, enquanto os aluguéis e as vendas mundiais de vídeos somam 46% (VOGEL, 2001, p. 62).
No exterior, a arrecadação de bilheteria, dos principais estúdios de Hollywood – ou aqueles que pertencem à Motion Picture Association of America (MPAA) – ficou acima de US$ 6,5 bilhões, em 2000. A associação informa que filmes americanos são exibidos em mais de 150 países e que programas de televisão americanos são transmitidos em mais de 125 mercados internacionais.
Além disso, a indústria cinematográfica americana fornece a maioria das fitas de vídeo já gravadas vistas em todo o mundo. Quanto aos filmes independentes, segundo a American Film Marketing Association (AFMA), as receitas de bilheteria de filmes americanos independentes no exterior ficaram acima de US$ 750 milhões de dólares, em 1999 (BLAKE, 2001a).
A posição predominante de filmes americanos é clara quando se consideram as listas dos dez filmes mais vistos em vários países do mundo. Uma pesquisa usando dados da Variety de 38 países, em 2000, revelou que os filmes americanos representavam não menos de 50% nas listas dos dez filmes mais assistidos em cada país. Afora isso, a quantidade média de filmes americanos em todos os países incluídos na pesquisa foi de 80%.
Por que Hollywood domina o mercado?
Embora muitas fontes tenham discutido a supremacia internacional de Hollywood, os fatores que contribuem para essa força global são, com freqüência, simplificados ou omitidos. A verdade é que as explicações são muito complexas e envolvem uma gama de fatores históricos, econômicos, políticos e culturais. Como argumentaram recentemente, o poder de Hollywood precisa ser repensado como um “conjunto de processos e práticas” (MILLER, 2001, p. 88). É importante haver uma compreensão abrangente dos fatores que influenciaram esses processos e práticas.
Uma explicação para o sucesso internacional de Hollywood é que os filmes americanos são superiores às produções de outros países e/ou os filmes de Hollywood têm um apelo universal. Outras tentativas de explicar a predominância de Hollywood apontam, mais especificamente, para a força do estilo de cinema de Hollywood ou, de maneira mais direta: “uma boa história, bem executada”.
Um produtor americano oferece a seguinte resposta: “Em razão dos padrões de produção americanos sempre mais sofisticados, e a globalização da televisão americana – via CNN, MTV e outros –, os filmes americanos tornaram-se o produto mais desejado em todo o mercado mundial” (SEGRAVE, 1997).
Os acadêmicos, por sua vez, oferecem discussões mais elaboradas, sob a perspectiva dos estudos culturais, argumentando que os filmes americanos apresentam uma espécie de “transparência narrativa”. Mais recentemente, esse argumento foi desenvolvido no livro Hollywood Planet, de Scott Roberto Olson:
[…] A vantagem competitiva dos Estados Unidos na criação e distribuição global de produtos do gosto popular deve-se a uma mistura exclusiva de condições culturais que conduzem à criação de textos ‘transparentes’ – narrativas cuja polissemia inerente encoraja sua leitura por populações diversas como se fossem nativas. (OLSON, 1999)
Esse tipo de argumento é oferecido também por economistas que usam o conceito de cultural discount – a noção de que, em virtude da língua e especificidade cultural, um filme (ou algum outro produto) pode não se tornar popular fora de seu próprio país. Assim, por seu “apelo universal” e o uso generalizado do inglês em todo o mundo, os filmes americanos têm um cultural discount mínimo em mercados estrangeiros. Em outras palavras, “o formato e o tipo de drama produzido pela indústria de entretenimento americana criaram uma nova forma de arte universal que pede um público quase mundial” (MEISEL, 1986).
Mas o conteúdo e o estilo dos filmes americanos não podem ser explicações para o sucesso global de Hollywood. É preciso considerar explicações econômicas para entender uma parte de sua supremacia internacional.
Vantagem do mercado doméstico
Os Estados Unidos levam uma tremenda vantagem no fato de seu mercado cinematográfico doméstico ter se tornado o maior do mundo. Existem, atualmente, cerca de 37.000 telas de cinema nos Estados Unidos. O público de cinema americano, com alta renda per capita, é responsável por 44% da bilheteria global, segundo estatísticas. Na verdade, o mercado estrangeiro para filmes de Hollywood é pautado pelos cronogramas de lançamento nos EUA. Até recentemente, a distribuição estrangeira ocorria em um prazo de até seis meses depois do lançamento doméstico, para explorar a reação e a publicidade doméstica do filme. Jim Zak, ex-diretor de distribuição para salas de cinema da Orion Pictures explicou, em certa ocasião, que “[…] as salas de cinema domésticas são a locomotiva que move o trem”.
O amplo lançamento doméstico dos filmes de estúdio e o poder da publicidade constroem um forte mercado para os filmes em territórios estrangeiros (BLAKE, 2001a). Entretanto, os filmes estrangeiros encontram-se curiosamente ausentes das salas de cinema americanas. Uma explicação freqüente é que os americanos não se interessam por filmes de outros países. Mas também há evidências de que os filmes estrangeiros encontram certa dificuldade para entrar nas salas de cinema americanas.
Embora alguns analistas da indústria cinematográfica argumentem que a lucratividade dos filmes americanos depende dos mercados internacionais, também se poderia argumentar que, com um mercado doméstico tão grande, os lucros podem ser auferidos por meio da distribuição a outros países, uma vez que as despesas são pequenas e apenas acrescidas. Aplicou-se aqui o conceito de “exportabilidade infinita”, segundo o qual os custos mais altos incidem na produção e, portanto, a exportação, cujos custos adicionais são mínimos, torna-se bastante lucrativa.
Outros discutiram os filmes como produtos de consumo conjunto – um bem público que não se esgota quando é consumido. De fato, alguns autores concluem que “a interação do cultural discount com o tamanho do mercado para um produto de consumo conjunto está no centro de uma explicação microeconômica da vantagem competitiva conferida ao país que possui o maior mercado doméstico” (HOSKINS, 1997, p. 40).
*Trecho do artigo de Janet Wasko publicado no volume IV – Estados Unidos, da coleção “Cinema no Mundo: Indústria, política e mercado”, uma coedição do Instituto Iniciativa Cultural e Escrituras Editora.