Por um cinema descentralizado e livre da indústria da produção e da distribuição

Por um cinema descentralizado e livre da indústria da produção e da distribuição

 

Por Belisa Figueiró

Depois das discussões sobre o cinema como arte, a descentralização da produção e da distribuição de filmes ganhou força no debate vespertino – e acalorado – sobre o futuro do cinema, no segundo dia do V Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual. A partir de experiências com cinema digital e videoarte, o público acompanhou a convergência de ideias dos três convidados, mediados pelo professor da USP e PUC-SP, Arlindo Machado.

Machado, aliás, começou com uma espécie de provocação. Mas que, no decorrer das explanações, acabou se mostrando uma realidade. Para o professor, o cinema não mais deveria ser feito em alta resolução, em 35 mm, nas mesmas câmeras usadas pelos irmãos Lumière por dificultar o envio e o acesso via internet.

Assim como há mais de 100 anos, o sucesso dos filmes ainda depende do desempenho nas bilheterias para poder render algum lucro nos DVDs ou na televisão. Na opinião de Machado, o cinema ainda não entrou no século XXI por medo das tecnologias digitais e da pirataria, que é inevitável, mas que suplica por uma saída econômica viável, assim como já acontece com a venda de livros pela internet.

“É preciso descobrir como ganhar dinheiro com isso. A Amazon hoje vende livros e, futuramente, venderá o download e os direitos autorais para se usar a informação nos book readers”.

O cineasta Kiko Goifman (diretor de “Filmefobia”) seguiu na mesma linha dizendo que o modelo atual da indústria “está fadado ao fracasso”. Depois de lembrar os preconceitos de décadas atrás da “turma que fazia cinema em 35 mm” contra a “turma do vídeo”, Goifman salientou que o cinema continua sendo muito caro e que a produção deveria também se aproximar da internet, com interação e contribuição das pessoas inclusive no desenvolvimento do roteiro.

“Essa turma (de distribuidores) não vai ficar em cima do dinheiro por muito tempo. É preciso dar espaço para o acaso no cinema, fazer de outra forma”.

Público protegido

Filho de Glauber Rocha e conhecido no meio cinematográfico por suas experiências estéticas com cinema digital (a exemplo de “Kynema”), Pedro Paulo Rocha instigou o público a participar mais das produções cinematográficas, tirando o poder central de quem faz e dando espaço para quem, hoje, só assiste.

“O público deve sair da condição estática, a multidão precisa ocupar o espaço e o corpo precisa trabalhar como potência de mudança. Hoje se protege muito o público”. Rocha milita pela descentralização, pelo rompimento das ideias preestabelecidas e pelo hibridismo como força de inovação. A produção dos filmes deve atrair o público e proporcionar questionamentos e interação a todo momento, seja em mostras participativas ou pela internet.

Tripé diretor-produtor-distribuidor

Professora, vice-reitora da Universidad Pompeu Fabra, de Barcelona, e co-diretora do Digital Barcelona Film Festival (DiBa), a espanhola Montserrat Martí apresentou sua experiência principalmente com esse festival que, além de trazer filmes prontos para mostras, dá espaço para a criação de curtas-metragens e videoclipes num período de 72 horas durante o evento. “Acreditamos num espectador ativo, fazendo algo”.

Para a mesa que enfatizou a morte da grande indústria, ela contribuiu falando da crise econômica mundial. “A crise não é do cinema, é da indústria. O cinema está mais vivo do que nunca, mas o tripé diretor-produtor-distribuidor, esse sim, está em crise”.

Sobre o risco da pirataria ou da banalização da atividade por causa das técnicas digitais, ela disse não acreditar que qualquer um comece a fazer cinema só porque tem essa possibilidade. Mas que a tecnologia possibilita que tudo isso fique muito mais próximo de quem quer produzir. “Todos temos computadores em casa e nem por isso nos tornamos escritores de ficção”, ironizou.

“As pessoas não querem ficar passivas. Assim como o cinema mudo passou a ser falado e o preto e branco mudou para o colorido, o cinema precisa se reinventar. Esse é o futuro”.

FOTO: Ronaldo Partha

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