Tendências da indústria cinematográfica

Tendências da indústria cinematográfica

 

Por Belisa Figueiró e Alessandra Meleiro

A crise que abalou os mercados internacionais e que levou várias economias à bancarrota, em 2009, evidenciou as fragilidades dos diversos setores, inclusive da indústria cinematográfica americana. A instabilidade financeira de fato ecoou na produção dos filmes dos estúdios de Hollywood, mas a produção cinematográfica revelou que não submergiria facilmente, dada a existência de apoios essenciais e estruturantes, como o incentivo dos governos locais. A filmagem de muitos longas-metragens foi transferida para outros Estados americanos com o intuito de manter a máquina do cinema funcionando e também de alavancar outros setores das economias regionais, distantes da Califórnia.

Trata-se, portanto, de uma indústria historicamente interligada com as demais esferas da produção econômica, amparada por políticas públicas que a torna capaz de suportar profundos abalos e de um modelo de gestão industrial inegavelmente exemplar, cujos mecanismos são sistematizados no livro Global Hollywood 2, publicado pelo British Film Institute, em 2005.

Por meio de uma abordagem historiográfica, os autores Toby Miller, Nitin Govil, John Mc Murria, Richard Maxwell e Ting Wang mostram como o surgimento da indústria de filmes foi motivado pela dominação dos mercados internacionais, nos quais os filmes acabam sendo agentes de venda silenciosos para outros produtos da indústria americana. A obra aponta que, além de vislumbrar a exportação, o desenvolvimento de Hollywood esteve ligado à constituição de um star system e studio system, investimento na produção especializada e proteção à propriedade intelectual como um elemento imprescindível para a continuidade e fortalecimento da indústria. Ou seja, o livro trata dos mecanismos internos de instalação do imperialismo cultural.

De acordo com dados do Informa Media Group, publicados no livro, em 2002 o governo americano gastou 1,8 bilhão de euros para subsidiar o campo cinematográfico, sendo que 74% foram destinados ao apoio à produção, 15% para formação e 11% para a distribuição. A guerra fiscal entre os Estados americanos também é um forte indicativo da política econômica nacional para o setor. Por meio de incentivos fiscais e escritórios especializados em atender as equipes de filmagem, a oferta das diversas regiões movimenta o mercado interno de locações cinematográficas e todo um aparato local que dá suporte à realização de um filme.

No exterior, os filmes americanos dominam os parques exibidores em praticamente todos os países e até mesmo na indústria indiana de Bollywood há remakes de grandes sucessos hollywoodianos. O livro aponta uma previsão de que, em 2015, a Ásia será responsável por 60% da bilheteria dos filmes americanos. Para tentar driblar a pirataria – um dos temas de destaque na publicação –, e manter a receita milionária dos blockbusters, os estúdios promovem lançamentos simultâneos dentro e fora dos Estados Unidos.

Para a pesquisadora norte-americana Janet Wasko, especializada em economia política, estrutura e políticas da comunicação, os filmes devem ser pensados como commodities dentro da estrutura capitalista industrial em que estão inseridos. Em seu artigo no livro A Concise Handbook of Movie Industry Economics, publicado pela Cambridge University Press, em 2005, Wasko descreve o processo de produção, distribuição e exibição de um filme – um processo que envolve diferentes mercados em que materiais, força de trabalho e produtos são vendidos e comprados – bem como analisa as interações entre a indústria e o Estado no que se refere à regulação e à propriedade intelectual – no mercado doméstico e no âmbito internacional. Com isso, reforça que o retorno do investimento de Hollywood não se deve apenas à renda das bilheterias internas, mas também das bilheterias internacionais e da venda de DVDs e produtos relacionados -, tornando a indústria rentável. O livro também traz artigos de especialistas em economia, financiamento, marketing e contabilidade, trazendo estimativas sobre demandas das salas de exibição e de outras janelas, estudos sobre lucratividade, paradoxos sobre o comportamento dos executivos dos estúdios, a importância dos contratos e de novas exigências contábeis – evidenciando a sazonalidade da demanda nas salas de exibição comercial.

Outra obra de Janet Wasko que merece destaque é How Hollywood Works, de 2003, publicado pela Sage Publications, que aprofunda essas questões e, de forma notável, analisa como os estúdios foram estrategicamente idealizados para serem autossustentáveis; a razão pela qual os filmes americanos são populares no mundo todo; como foi constituída a política de dominação do mercado internacional, e quais são os fatores culturais, históricos e econômicos que contribuíram para isso.

O livro ainda apresenta como a indústria se expande, promove e protege seus negócios, expondo a estrutura das majors responsáveis pelo studio system, mostrando como trabalham os roteiristas, produtores e distribuidores, e exibindo dados de mercado dentro de um perfil dedicado a cada uma dessas empresas, tais como: Warner Brothers, Walt Disney/Buena Vista, Fox, Paramount, Sony/Columbia Pictures, Universal, MGM e DreamWorks.

As estratégias que as empresas hollywoodianas elaboraram para conservar seu domínio na oferta do espetáculo também são retratadas no livro L´économie Du Cinéma Américain: Histoire d´une industrie culturelle et de ses stratégies, de Joël Augros e Kira Kitsopanidou, publicado pela Armand Colin, de Paris, em 2009.

Detalhando a história da indústria cinematográfica nos EUA, das origens aos nossos dias, o livro analisa os mecanismos da evolução dos mercados e dos públicos, o contexto sociopolítico e a concorrência com outras mídias.

A obra The Audiovisual Management Handbook, publicado em 2002 pela Media Business School, de Madrid, organizado por Alejandro Pardo, tem foco no mercado europeu. Trata o processo completo de produção, desenvolvimento e comercialização, através de ferramentas de gestão e plano de negócios nas áreas de cinema, televisão e novas mídias. Os capítulos apresentam como formar uma empresa produtora, como organizar os planos de trabalho e as metas de potencial comercial, além de auxiliar no desenvolvimento de projetos de longa-metragem desde a ideia inicial, passando pela aquisição de direitos, elaboração do roteiro, estratégias de financiamento, análise de mercado, marketing e distribuição.

Embora inicialmente possa parecer um manual para produtores que queiram fazer filmes lucrativos, os autores não se furtam à responsabilidade de alertar para os riscos do setor, que são diversos e indiscutíveis. Criar um produto audiovisual demanda um investimento significativo de tempo, recursos financeiros, técnicos e humanos – e não há uma relação direta entre custo e rentabilidade. Os planos de negócios auxiliam na profissionalização da atividade, mas o lucro e o retorno do público dependem de uma sinergia de fatores múltiplos e nem sempre previsíveis, em qualquer indústria cinematográfica.

A coleção Cinema no Mundo – indústria, política e mercado, publicada pela Escrituras Editora em 2007, e organizada pela pesquisadora Alessandra Meleiro, analisa as cinco regiões do globo e detalha as especificidades políticas e econômicas do setor na América Latina, Ásia, África, Europa, e também nos Estados Unidos. Os livros reúnem artigos de pesquisadores de todas essas regiões e é uma compilação única de modelos de gestão cinematográfica em língua portuguesa.

Em termos de fragilidade política e assimetrias econômicas que assolam os mercados independentes, a América Latina não foge à regra e tenta viabilizar seus filmes por meio de incentivos fiscais, fundos e festivais internacionais. No volume II da coleção, os colaboradores mantêm o enfoque mercadológico ao abordar as cinematografias de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Equador, Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Porto Rico, Cuba e México.

Destacamos o artigo da pesquisadora argentina, radicada nos EUA, Tamara Falicov, que traça um paralelo entre os mecanismos de produção cinematográfica e a grave crise econômica de 2001 que atingiu a Argentina. A indústria foi, obviamente, paralisada naquele ano de falência e confisco. Porém, a revolta popular e social serviu de inspiração para os cineastas argentinos, que fizeram uma sequência de filmes sobre o tema – muitos coproduzidos com países europeus, amparados por recursos do Fonds Sud (França), Hubert Bals Fund (Holanda) e dos festivais de Cannes e Berlim.

Em 2002, o Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA) já era uma autarquia que fomentava o cinema local, comprovando a rápida recuperação da produção cinematográfica argentina em meio ao caos econômico, com 43 filmes produzidos naquele ano.

O Programa Ibermedia, majoritariamente composto por recursos da Espanha, é um dos que mais fomenta a atividade na América Latina, principalmente através de coproduções, e sua dinâmica de trabalho é analisada pela pesquisadora Libia Villazana no livro “Transnational Financial Structures in the Cinema of Latin America: Programa Ibermedia in Study”, publicado pela editora alemã VDM, em 2009.

A autora enfoca um dos mais importantes aspectos dos cinemas transnacionais: as causas e efeitos dos mecanismos de coproduções cinematográficas internacionais, com ênfase nas coproduções entre Espanha e América Latina, discutindo a posição hegemônica da Espanha nessas colaborações e os discursos neocoloniais envolvidos nessas negociações. O livro é uma rara contribuição sobre a historiografia da produção cinematográfica latino-americana – dada a escassez de literatura sobre a prática de coproduções internacionais na região.

Com foco no mercado, na economia e nas políticas de Estado, a coleção Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira, dá sequência à coleção anterior, também organizada por Alessandra Meleiro, e lançada em 2010. No volume I, a autora Melina Marson analisa as lutas internas do campo cinematográfico e seu constante diálogo com o Estado. Recuperando os aspectos históricos do fim da Embrafilme, a pesquisadora busca nos bastidores do setor as políticas que influenciaram a criação das leis Rouanet e Audiovisual. Examina também os períodos de euforia e de crise da chamada Retomada, recortando seu estudo entre os anos de 1995 e 2002.

Nos volumes II e III, os autores investigam o histórico da ineficácia da distribuição e exibição interna, as perspectivas das novas janelas ainda pouco exploradas, a política externa de exportação e divulgação dos filmes brasileiros no exterior, os negócios internacionais, como essas obras cinematográficas são vistas pelos estrangeiros em festivais, além de questões de legislação. 

A coleção pretende, assim, abordar algumas das mais importantes tendências da indústria nacional, revelando como mercados operam e se desenvolvem, e como são afetados por políticas de governo e condições econômicas globais. Analisando relevantes características culturais e econômicas do universo comercial brasileiro, oferece ao leitor as ferramentas necessárias para o entendimento das estratégias comerciais dos players privados, e de como a compreensão destas práticas é um requisito essencial para a formulação de políticas públicas para o setor.

Todas as obras acima citadas intencionam encontrar caminhos que facilitem o debate e a busca de soluções para os problemas específicos da cadeia produtiva da indústria do cinema e audiovisual mundial, seja através da análise de sua dinâmica geral, seja através de um profundo olhar sobre suas contradições internas.

Bibliografia indicada:

AUGROS, Joël; KITSOPANIDOU, Kira. L´économie Du Cinéma Américain: Histoire d´une industrie culturelle et de ses stratégies. Armand Colin Cinéma. Paris, 2009.

MELEIRO, Alessandra (Org.). Cinema no Mundo: Indústria, política e mercado. São Paulo: Escrituras, 2007. 

MELEIRO, Alessandra (Org.). Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira.  São Paulo: Escrituras, 2009.

MILLER, T.; GOVIL, N.; MCMURRIA, J.; MAXWELL, R.; WANG, T. Global
Hollywood 2. Londres: BFI, 2001.

PARDO, Alejandro (Ed.). The Audiovisual Management Handbook: An in-depth look at the film, television and multimedia industry in Europe. Madrid: Media Business School, 2002.

VILLAZANA, Libia. “Transnational Financial Structures in the Cinema of Latin America: Programa Ibermedia in Study”, Saarbrücken, VDM Verlag Dr. Müller, 2009.

WASKO, Janet. Critiquing Hollywood: The Political Economy of  Motion Pictures. In: MOUL, Charles C.. A Concise Handbook of  Movie Industry Economics. New York: Cambridge University Press, 2005.  

WASKO, Janet. How Hollywood Works. London: Sage, 2003.


FONTE
Revista Observatório Itaú Cultural
Edição nº 10
Dezembro de 2010
Páginas 61-66
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