Obra: Cinema no Mundo: indústria, política e mercado
Autor: Alessandra Meleiro
Editora: Escrituras
Cidade: São Paulo
Ano: 2007
Por Luciano Trigo
No Brasil e no mundo, o cinema enfrenta desafios que devem transformar radicalmente seu mercado e sua indústria – e a própria relação entre filme e espectador. Novas tecnologias colocam em questão antigos modelos, embaralham relações simbólicas estabelecidas e abrem brechas para o surgimento de novos players. No cenário globalizado, a velocidade das mudanças atropela as tentativas locais de controle institucional. Do atrito entre práticas subversivas e modelos caducos estão nascendo novas relações com a imagem, da produção ao consumo. Impossível prever quais serão os desdobramentos desse processo a longo prazo: o certo é que o cinema vive um momento de grandes riscos – e grandes oportunidades, sobretudo para a circulação de novos produtos.
Para quem se interessa pelo assunto, é indispensável a leitura dos cinco volumes da coleção Cinema no Mundo: Indústria, Política e Mercado, organizada pela pesquisadora paulista Alessandra Meleiro (Escrituras, 256 pgs.cada; R$25 por volume). Para traçar um panorama atual da situação do cinema nos cinco continentes, Alessandra – também autora de O novo cinema iraniano, especialista em políticas culturais e pós-doutoranda na Universidade de Londres – reuniu um time de mais de 30 especialistas e profissionais da área (apenas três brasileiros), que investigam em profundidade aspectos culturais, econômicos e tecnológicos da produção cinematográfica.
Há no Brasil um visível crescimento de lançamentos de livros sobre cinema e audiovisual, merecendo destaque duas obras de referência muito úteis para os cinéfilos e o público em geral: 1001 filmes para ver antes de morrer, de Stephen Jay Schneider (Sextante, 960 pgs. R$59,90) e Cinema – Guia Ilustrado, de Ronald Bergan (Zahar, 510 pgs. R74,50) – ambas ricamente ilustradas. Mas são raríssimos os estudos sobre o mercado de cinema, como os presentes na coleção Cinema no Mundo.
Os textos não se limitam a apresentar o cinema contemporâneo dos Estados Unidos, da Europa, da Ásia, da África e da América Latina do ponto de vista da economia do audiovisual e das diferentes políticas adotadas em cada país: eles refletem sobre questões mais abrangentes, como a diversidade cultural e a economia política da cultura, o impacto da indústria cinematográfica na sociedade e diferentes modelos de comercialização e consumo. É um debate que está esquentando no mundo inteiro, à medida que se percebe que o mercado audiovisual é dos que mais crescem no planeta, movimentando bilhões de dólares por ano.
Mas até que ponto bens culturais como filmes devem ser entendidos como commodities? Quais as implicações desse enquadramento progressivo da cadeia produtiva do cinema numa lógica capitalista avançada (o filme como produto) – e, por outro lado, dos movimentos espontâneos de resistência simbólica (o filme como expressão crítica e estética) – sobretudo em países nos quais a indústria do cinema não se consolidou de forma sustentável?
Por exemplo, é inevitável reconhecer a inteligência estratégica da indústria norte-americana, que muito cedo entendeu o potencial econômico e simbólico do cinema. Desde os seus primórdios o cinema americano se desenvolveu seguindo com obstinação uma agenda agressiva de conquista de mercados – primeiro internamente, em seguida a nível planetário. Enquanto no Brasil, historicamente, o cinema viveu de surtos e sempre dependeu da ajuda paternalista do Estado, na América rapidamente se montou um modelo que se alimenta do próprio crescimento e exporta não apenas filmes, mas valores e padrões de comportamento (e hoje não apenas nas salas de cinema, mas em diversas janelas, do DVD ao telefone celular). É certo que esse expansionismo planejado sufocou a possibilidade de crescimento de cinematografias nacionais planeta afora, mas não adianta chorar sobre o leite derramado: é preciso – e possível – desenvolver modelos próprios de crescimento, como mostram os mercados da Índia, do Irã e, mais recentemente, da Nigéria, onde a explosão da produção, favorecida pelas tecnologias digitais, já fez cunhar a expressão “Nollywood”.
Entre outros ensaios, integram a coleção:
– A indústria cinematográfica no Japão (Chris Howard);
– A distribuição de filmes na China continental (Shujen Wang);
– A conexão com a distribuição, pirataria e importação paralela em Hong Kong (Shujen Wang);
– A política cinematográfica brasileira para o século 21 (Jom Tob Azulay);
– A circulação global e local do novo Cinema argentino (Tamara L. Falicov);
– O porquê de Hollywood ser global (Janet Wasko);
– A falsa oposição entre “Hollywood” e “Independentes” (Drew A. Morton);
– As tendências e evolução do Cinema africano e sua ideologia (Ferid Boughedir);
– O papel dos festivais na recepção e divulgação do Cinema africano (Mohamed Bamba);
– O contexto político e institucional do financiamento público da indústria cinematográfica e audiovisual na Europa (André Lange e Tim Westcott);
– As várias faces dos festivais de Cinema europeus (Marijke de Valck);
– Os padrões de competitividade e proteção da indústria cinematográfica alemã (Marc Silberman);
– O mercado cinematográfico brasileiro (André Gatti).